Trabalho de história: memórias dos nossos pais
Aluno(a): Cassandra Vates – 7º ano A – Escola Vida Nova
Professora: Aline Cinturinha
Meus pais contam que saíram de certo lugar que era perigoso para se viver. O nome dessa terra se dava, dizem, por causa de uma árvore cuja madeira tinha cor de brasa. A região em que meus pais moravam era muito, muito quente, como a brasa, realmente brasil. O trabalho que meu pai tinha por lá é complicado de explicar, preciso entender melhor, mas ele passava o dia pensando, lendo e escrevendo, e recebia por isso. Mas alguns achavam isso uma ameaça gigante.
A terra da brasa era uma nação com muita diversidade, e meus pais achavam isso muito bom, pois assim eles podiam ter certa liberdade, afinal, era a única forma, ao que parece, de tanta gente diferente viver em paz. Mas, pelo que entendi, o povo não sabia — ou não gostava — tanto assim sobre liberdade. Mamãe diz que liberdade dá um trabalhão, que é preciso crescer muito para saber ser livre. Não pode ter preguiça não. E esse povo vivia buscando ideais ou personagens para mandarem em tudo em suas vidas: o que tinham que ler ou estudar nas escolas, como deveriam trabalhar, as músicas que poderiam ouvir, a melhor religião a seguir etc. Ah, a religião foi o começo de tudo, para que meus pais saíssem de lá.
Como eu disse, havia muitas ideias e, por isso, uma necessidade de liberdade. Mas o sistema de governo, que deveria reger tudo da melhor forma, e para todos, era meio estranho, ninguém sabia direito quem mandava. Alguns achavam que mandavam, aí vinham outros e desmandavam. Uns maiores mandavam mais, mas muitos menores, quando juntos, mandavam ainda mais. E assim seguia, ora um manda, ora outros. Não era nada perfeito, mas dava para se viver com certa paz, ter amigos de todo tipo e tocar a vida. Até que um sacerdote de uma religião chamada democracia, se sentiu muito ofendido, quando teve a estátua de seu deus profanada em uma praça. Isso acontecia o tempo todo, com os deuses de todos, mas esse sacerdote não estava para brincadeira.
Ele tinha muito poder, e acabou prendendo muita gente que, segundo ele, estava ferindo a liberdade do povo. E como ninguém sabia quem mandava ou desmandava, as coisas foram piorando. O que já era complicado, ficou insuportável. Aprendemos na escola que muita coisa ruim já foi feita em nome dos deuses, mas essas coisas sempre parecem tão distantes da gente…
Liberdade é uma coisa complicada, principalmente para nós, ainda crianças. Preciso aprender muito, ainda.
Dizem meus pais que a democracia era uma religião com muitos seguidores, e tinha muitos deuses e seitas nessa crença. Esse sacerdote, segundo os boatos, gostava de vestir preto, e andava sempre furibundo. Será que lhe faltaram abraços? Parece que ele já andou por outras crenças, e contam que ele era do mesmo jeito. Deve ser coisa dele mesmo, tem gente que é assim, cabeça dura. Papai diz com ele: “cabeça dura”. Mamãe responde: “cabeça cheia de nada”.
Esse homem de preto ficou meio louco, começou a perseguir todos os chamados “antidemocráticos”. A confusão foi grande e envolveu gente de todo tipo, políticos, jornalistas, artistas, “gente comum” também. Se antes dava para se viver mais ou menos em paz, mais ou menos livre, naquele momento era difícil até para ter amigos muito diferentes. A loucura do sacerdote parecia ser contagiosa, e todos ficaram meio desconfiados uns dos outros, se fechando em seus grupos, como forma de defesa.
E como eu já disse, o trabalho do papai era pensar, e ele pensou e concluiu que, no final das contas, ninguém queria nada de liberdade, pois dá um trabalhão, e é preciso ser gente grande e esperta para isso, não é para todo mundo. As pessoas não se incomodavam com a tirania, se incomodavam com a tirania do sacerdote da democracia, pois no fundo no fundo, segundo papai, todos queriam que seus sacerdotes estivessem no lugar do “cabeça cheia de nada”. Sei lá, papai é meio exagerado, e mamãe concorda comigo. Ela diz que faz parte do trabalho dele.
Papai cometeu a ousadia de escrever isso, feriu a vaidade de muita gente, e ficou malvisto. Ele, que já era meio isolado, precisou se exilar de vez. E aqui estamos nós.
Esse é só um resumo das memórias da minha família, sobre esse ocorrido, mas como tenho limite de páginas para escrever, não conseguirei detalhar muito, até porque o assunto é bem confuso. Deixo, em anexo, um texto de meu pai, com mais detalhes dessa história.
Anexos
Respiga de liberdade
Respigadores foram ao campo
Respigar o que restou
Ao campo da liberdade
Onde a chuva não passou
Baldaram a levar os cestos
Pois o nada sobejou
Eis que grande é a seara
E os ceifeiros poucos são
A seara de muitas vozes
Foi colhida desde o chão
Competentes são as foices
Não sobrou sequer um grão
Valha! o campo é um deserto
Em tal seca ali findou
Da raiz amordaçara
O ruído não brotou
Germe algum ali escapa
Do torrão não transpassou
Ai, meu Deus! a fome veio
E com ela a inanição
E o silêncio na seara
[…]
Bucho vazio não faz canção
Não restou nenhuma voz
Pra fazer uma oraç[…]Anderson C. Sandes, 26 de janeiro de 2023