Era o final daquele ano letivo; o ano era 2003. Eu cursava a 4ª série do fundamental, em Santa Catarina. As professoras resolveram organizar um “amigo secreto”, e estipularam um valor mínimo para o presente em R$ 10,00 (dez reais).
Dez reais era tanto dinheiro pra minha família naqueles tempos… mas consegui. Não me lembro quem eu tirei no sorteio, nem lembro o que comprei para esta pessoa, mas lembro que o presente custou exatamente dez reais.
E começou a brincadeira. Primeiro foi um, depois o outro; presenteavam e recebiam presentes. Chamaram a Alais. Alais recebeu seu presente, agora era sua vez de chamar a pessoa a quem tinha tirado no sorteio. Ela deveria me descrever antes de revelar quem eu era. E descreveu:
— É um menino.
Todos observavam.
— É muito legal.
Silêncio.
— É o mais baixinho da sala.
— É o Sandes!!! — disseram todos em coro.
Levantei-me, curioso, nervoso, muito tímido. Coloquei as mãos pra dentro das mangas de meu casaco e segurei as pontas com os dedos. Tudo muito rápido, destreza de tímidos. Fiquei na frente dela, não olhei nos olhos… não tinha o costume de faze-lo.
Ela estendeu as mãos, era meu presente embrulhado em papel toalha, um objeto fininho, não fazia ideia do que era. Agradeci.
— Abre — falavam os colegas.
Desembrulhei o papel e…
— Um pincel ?!?! — Todos.
De fato, era um pincel tamanho 14, comum, todos os alunos tinham um desses, era pedido nas aulas de artes. Aquele já estava usado, tinha uma coloração verde em suas cerdas. Um pincel desses deveria custar menos de um real. Mas eu entendi. Eu conhecia a Alais, sei que dez reais era mais pra ela do que era pra mim. Muito dinheiro… dez reais.
Levantei os olhos e agradeci:
— Obrigado, Alais! todos sabem que gosto muito de artes. Vou usar bastante.
Daqueles tempos pra cá, já participei de muitos amigos secretos, e não me lembro dos presentes que ganhei neles. Mas me lembro do presente da Alais. Ah, não foi um presente tão simples. Foi como um sacrifício. Ela parou, pensou em algo que eu gostava, não comprou, mas me deu o que já era dela e, ainda teve o trabalho de embrulhar em um belíssimo pedaço de papel toalha branco.
Era o último dia de aula, simplesmente poderia ficar em casa e livrar-se do constrangimento. Mas encarou aquilo tudo e foi. Com sua simplicidade, sinceridade, e me deu o presente. O presente, na verdade, não foi apenas o pincel… nem sei que fim levou o pincel… o presente foi uma memória.
Não faço ideia de onde está a Alais, nem de como ela está, mas me lembro daquele dia, do pincel manchado de verde. Não vi sua expressão, pois não olhei, mas quando penso, gosto de imaginar ela sorrindo, afinal, é assim que ficamos quando presenteamos alguém.
Guardo aquele presente (a memória) até os dias de hoje. E muitas outras memórias guardo. Resolvi escrever sobre este assunto pois estamos em um momento que se dá muitos presentes, é véspera de Natal. Espero que as pessoas não se importem com o que vão receber ou dar. Mas espero que elas tenham boas memórias, pois duram mais tempo, e podem ser levadas pra qualquer lugar.
Procuro sempre dar pinceis manchados de verde às pessoas que gosto, que se entenda memórias. Tenho uma caixa cheinha de pinceis manchados de verde. Gosto de arte, gosto de verde. Gosto de memórias. Desejo a você, querido leitor, um Feliz Natal, um bom 2015, e aproveite seus pinceis manchados de verde.
Anderson C. Sandes — 24 de Dezembro de 2014
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Wilmont disse:
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Sem palavras, por isso os aplausos.
Obrigado por mais esse pincel verde.
Abraço, e feliz e fértil 2022.
Wilmont.