“Olha o picolé!”… gritava o menino incansavelmente. Passava todas as semanas naquela rua com seu carrinho de sorvetes. Sempre gritando: Olha o picolé! Todos o conheciam, mas ninguém sabia seu nome, nem de onde vinha, mas sua voz era inconfundível ao gritar: Olha o picolé! A garotada, porém, o chamava de um nome, nome este que não era o seu, mas era assim que o chamavam: o menino do picolé.
Bonezinho na cabeça, camiseta e bermuda gastas, um chinelinho, era esse o seu estilo. Parecia um menino normal, mas destacava-se dos outros, era especial na multidão pelo simples motivo de ser o menino do picolé. Todos os moleques o invejavam, achavam que ele podia chupar quantos picolés quisesse. Mera ilusão.
“Olha o picolé!” Gritava. Todos saiam correndo, uns para fora com o trocadinho na mão, outros para dentro iam chamar a mãe. O menino do picolé parecia ser o centro das atenções. Sempre sorria ao ver os outros correndo em sua direção: “Tem picolé di quê?” Sempre perguntavam.
“Tem di cocu, de acerola, di laranja, di morangu, di chocolate, di tamarinu, di flocus e céu azú.” Já tinha o texto todinho decorado. As outras crianças também, mas sempre perguntavam. Será que era pra saber se tinha sabor novo? Para provocar? Ou porque gostavam da simpatia do menino do picolé ao sempre responder?
Naquela terça, à tarde, o menino não passou com o carrinho. A rua estava em silencio. Estranho, ele era sempre pontual. “O menino do picolé nem veio hoje”, comentaram à noite. No dia seguinte, nada… e permaneceu assim por duas semanas. Até que se ouviu: “Olha o picolé!” Estranho, a voz tinha mudado, parecia voz de homem velho. Não era mais o menino do picolé. Agora era o Seu Zé do picolé.
Cadê o menino? Questionaram. Que menino? Perguntou Seu Zé. O menino do picolé! Responderam as crianças de uma vez. Sei não! Disse o homem. Ahh! Disseram sem reação. Depois soltaram: Tem picolé di quê? “Tem de coco, de acerola, de laranja, de morango, de chocolate, de tamarindo, de flocus e céu azul.”
Depois daquele dia o menino do picolé nunca mais passou ali com seu carrinho. Ninguém mais perguntava dele, nem sabiam onde ele estava. Ele nunca foi o centro das atenções. O que as crianças queriam mesmo era o picolé. Enquanto umas corriam para fora e outras para dentro… outras faziam apenas o que o menino mandava: Olha o picolé!
Mas e o menino? Onde foi? Ah, o menino… foi para a escola. E lá era conhecido como Antônio.
Anderson C. Sandes — Fevereiro de 2013.
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