Percy Bysshe Shelley ( 1792 –1822 ) foi um poeta romântico, dramaturgo e ensaísta inglês. Em Queen Mab (1813), uma obra de juventude, o poeta expressa suas ideias ideológicas e defende a liberdade de pensamento. Nos poemas que se seguiram, como Alastor (1816) e Ode to the West Wind (1818), e na tragédia The Cenci (1818), aborda as temáticas recorrentes da literatura da época: o amor, a identidade, a solidão, a inspiração, a transcendência, o incesto. Em 1820 publicou o drama lírico Prometheus Unbound, onde celebra a liberdade e o amor ideal. O seu ensaio Uma Defesa da Poesia, apesar de inacabado, constitui um dos mais significativos escritos teóricos do Romantismo inglês.
Descendente de nobres, ele cresceu numa família que se pautava por valores conservadores. Mesmo assim ele seguia um ideário radical que lhe apontava caminhos nada conformistas. Seu pai, Sir Timothy Shelley, era integrante do Partido Whig, de inclinação liberal, e ocupava uma cadeira no Parlamento inglês. Seus primeiros estudos foram realizados junto ao Reverendo Evan Edwards, pois o pai pretendia educá-lo para ser um intelectual, um bom orador e ter uma ótima performance na vida pública.
Em sua juventude, Shelley era considerado subversivo, chegando até a fazer um panfleto no qual propagava a necessidades de disseminar o ateísmo. Por causa deste texto ele acabou sendo expulso de Oxford, e não contava muito com o respeito de seus pares, por ser considerado emocionalmente imaturo. Após a morde de Clara e William, seus dois filhos, suas obras ganham meditações mais profundas e complexas, como é possível encontrar em Prometheus Unbound e The Cenci. Seus poemas se tornam mais tristes e, após a morte do poeta Keats, ele cria para o amigo uma elegia conhecida como Adonais. Seus parâmetros agora não são mais o viés gótico e as doutrinas sociais do século XVIII, mas sim as tragédias de origem grega, o poema de Milton, O Paraíso Perdido, e as Escrituras Sagradas. Na sua obra mais madura é possível perceber as inspirações dos textos platônicos e neoplatônicos. Aos poucos Percy foi conquistando o circuito da crítica literária.
O poeta morreu no dia 8 de julho de 1822, aos 29 anos, vítima de um naufrágio, ao lado do amigo Edward Williams. Ele foi cremado, mas seu coração poupado e doado à sua amada Mary Shelley — escritora famosa por sua obra Frankenstein — por Trelawney. Quando ela morreu, o coração de Percy foi sepultado junto com a escritora. Fontes: Infopédia e Infoescola.
Sobre a obra: A obra declara o ‘valor essencial e a natureza ideal’ da poesia e é a mais importante obra em prosa do autor. Seus argumentos são apresentados de modo vívido e de maneira convincente. O ensaio foi escrito em 1821 e publicado pela primeira vez postumamente em 1840. Shelley apresenta belíssimos discursos sobre o Amor, a Vida, a importância da Poesia na vida dos Homens, além de discorrer sobre Deus, a vida futura e a razão da existência da Humanidade. O ensaio foi escrito em resposta ao artigo de seu amigo Thomas Love Peacock “The Four Ages of Poetry “, que havia sido publicado em 1820. Para Peacock, Shelley escreveu: ‘Seus anátemas contra a própria poesia me excitaram a uma raiva sagrada… Tive o maior desejo possível de quebrar uma lança em você… em homenagem à minha senhora Urania (tradução livre). Shelley procurou mostrar que os poetas fazem a moralidade e estabelecem as normas jurídicas em uma sociedade civil, criando assim as bases para os demais ramos de uma comunidade. “os poetas… não são apenas os autores da linguagem e da música, da dança, da arquitetura, da estatuária e da pintura; eles são os instituidores das leis e os fundadores da sociedade civil…”
Em Gateway to the Great Books, Robert M. Hutchins e Mortimer J. Adler escreveram: Em A Defense of Poetry, [Shelley] tenta provar que os poetas são filósofos; que eles são os criadores e protetores das leis morais e civis; e que se não fosse pelos poetas, os cientistas não poderiam ter desenvolvido nem suas teorias nem suas invenções.
Fichamento: Uma Defesa da Poesia, de Percy Bysshe Shelley, escrita originalmente em 1821 e publicado pela primeira vez postumamente em 1840. Editora Iluminuras LTDA, 2002 (obra Defesas da Poesia, duas em uma: além do ensaio de Shelley contém o ensaio de Sidney, Defesa da Poesia). Tradução de Enid Abreu Dobránszky. O método usado no seguinte fichamento é bem simples: citações diretas destacadas e, por vezes, notas minhas sobre tais citações. Fichamento abaixo:
[Introdução] A poesia, em um sentido geral, pode ser definida como “a expressão da imaginação”: ela é congênita à origem do homem. (p. 171)
Todo homem, na infância das artes, observa uma ordem que se aproxima mais ou menos daquela que lhe causa o mais alto grau de prazer; mas a diversidade não é suficientemente marcada para que suas gradações sejam perceptíveis exceto nos casos em que a superioridade dessa faculdade de aproximação, ao belo […] é muito elevada. Aqueles nos quais ela existe em excesso são poetas, no sentido mais universal da palavra, e o prazer resultante do modo como exprimem a influência da sociedade ou da natureza em seus próprios espíritos comunica-se a outros e dessa comunhão obtêm uma espécie de reduplicação. (p. 173)
Nota o leitor: O “sentido mais universal da palavra” poeta refere-se não apenas ao artista que faz versos (poemas) mas ao escritor artista de modo geral: o romancista, o contista, o novelista, o fabulista, etc.
[O poeta organiza a linguagem] […] se nenhum poeta surgir para recriar as associações que foram assim desorganizadas, a linguagem estará morta para todos os propósitos mais nobres da comunicação humana. (p. 173)
Na infância da sociedade, todo autor é necessariamente um poeta, porque a própria linguagem é poesia, e ser um poeta é apreender o verdadeiro e o belo […] Mas os Poetas, ou aqueles que imaginam e exprimem essa ordem indestrutível, são não apenas os autores da linguagem e da música, da dança e da arquitetura e da estatuária e da pintura, mas os instituidores das leis, os fundadores da sociedade civil, os inventores das artes da vida e os mestres que introduzem em uma certa afinidade com o belo e o verdadeiro aquela apreensão especial das intermediações do mundo invisível que se chama religião. Assim, todas as religiões primitivas são alegóricas, ou propensas à alegoria. Os poetas, segundo as circunstâncias da época e da nação nas quais surgiram, foram chamados, nos primórdios do mundo, legisladores ou profetas: um poeta essencialmente engloba e unifica anos esses personagens. (p. 173)
Nota do leitor: Shelley enquanto ativista e idealista, conhecia bem a influência da poesia. Ele mesmo foi de grande influência, tornou-se um ídolo para as próximas gerações de poetas, incluindo os da importante era vitoriana e pré-rafaelita, tais como Robert Browning, Alfred Lord Tennyson, Dante Gabriel Rossetti, Algernon Charles Swinburne, assim como Lord Byron, Henry David Thoreau, William Butler Yeats, e Edna St. Vincent Millay, e poetas de outras línguas, tais como Jan Kasprowicz, Jibanananda Das e Subramanya Bharathy. A desobediência civil de Henry David Thoreau e a resistência passiva de Mohandas Karamchand Gandhi foram inspiradas e influenciadas por Shelley, em sua não-violência e determinação política. Sabe-se que Gandhi teria citado frequentemente o Masque of Anarchy, de Shelley, que tem sido apontado como “talvez a primeira declaração moderna do princípio da não-violência”.
[Poetas e profetas] Não defendo que os poetas sejam profetas no sentido vulgar da palavra, ou que possam prever a forma dos acontecimentos com tanta certeza quanto prevêem seu espírito […] Um poeta participa do eterno, do infinito e do uno; no que diz respeito a suas concepções, tempo, lugar e quantidade não existem. […] Linguagem, cor, forma, tanto quanto modos religiosos e civis de ação, são todos instrumentos e materiais da poesia […] (p. 174)
[O poeta e as inovações] […] é inevitável que todo grande poeta introduza inovações […] A distinção entre poetas e prosadores constitui um erro grosseiro. Já nos referimos à distinção entre filósofos e poetas. Platão era essencialmente um poeta. (p. 175)
Nota do leitor: Aqui Shelley ressalta que poetas não são apenas os artistas que fazem verso, mas também os prosadores. O poeta cita o filósofo Platão como exemplo de poeta, por ter um texto artístico, inovador, inventivo.
Todos os que revolucionam a opinião são necessariamente poetas não somente por serem inventores, nem tampouco por suas palavras desvelarem a permanente analogia das coisas em imagens que participam da vida da verdade, mas sobretudo pela qualidade harmônica e rítmica de suas frases, que contêm em si os elementos do verso e constituem o eco da música eterna. […] Shakespeare, Dante e Milton (para nos limitarmos aos escritores modernos) são filósofos prodigiosos. Um Poema é a própria imagem da vida expressa em sua verdade eterna. Entre uma história e um poema existe a seguinte diferença: a história constitui um catálogo de fatos isolados, ligados apenas pelo tempo, lugar, circunstâncias, causa e efeito, ao passo que o poema é a criação de ações segundo as formas imutáveis da natureza humana, tais como existem no espírito do criador, que é, ele próprio, a imagem de todos os outros espíritos. A história de fatos particulares é um espelho que obscurece e deforma o que deveria ser belo; a poesia é um espelho que torna belo o que é disforme. (p. 176)
[Influência da poesia sobre a sociedade] […] passemos à avaliação de suas influências sobre a sociedade. A poesia é sempre acompanhada de prazer: todos os espíritos por ela tocados abrem-se para receber a sabedoria que está mesclada com seu deleite. Na infância do mundo, nem os próprios poetas, nem seus ouvintes estão plenamente conscientes da preeminência da poesia: ela age de uma forma divina […] Nem mesmo nos tempos modernos algum poeta vivo alcançou plenamente sua fama; o júri que se reúne para julgar um poeta e que, como este, é intemporal, deve ser composto de seus pares: ele deve ser eleito pelo Tempo, dentre os mais seletos sábios de muitas gerações. Um poeta é um rouxinol, que na escuridão canta para alegrar sua própria solidão com doces sons; seus ouvintes são como homens arrebatados pela melodia de um músico invisível, que se sentem comovidos e tranquilizados, sem que, todavia, saibam como nem por quê. (p. 177)
[…] toda a objeção à imortalidade da poesia reside em uma concepção equivocada sobre o modo como ela opera para produzir o aperfeiçoamento moral do homem. A ciência ética dispõe os elementos que a poesia criou […] O grande segredo da moral é o amor, ou um movimento para fora de nossa própria natureza e uma identificação nossa com o belo que existe no pensamento, na ação ou na pessoa, que não nos sejam próprios. Um homem verdadeiramente bom deve ter uma imaginação vívida e abrangente; deve colocar-se no lugar de outrem e de muitos; as dores e os prazeres de sua espécie devem tornar-se suas. O grande instrumento do bem moral é a imaginação, e a poesia contribui para o efeito ao agir sobre a causa. (p. 178–179)
[…] verifica-se que a poesia sempre foi coetânea a quaisquer contribuições das outras artes para a felicidade e perfeição do homem. (p. 179–180)
A conexão das apresentações cênicas com o aperfeiçoamento ou corrupção dos costumes humanos tem sido universalmente reconhecida; em outras palavras, verificou-se que a presença ou ausência da poesia em sua forma mais perfeita e universal está ligada ao bem e ao mal na conduta ou no hábito. A corrupção, que tem sido imputada ao drama como seu efeito, inicia quando cessa o uso da poesia em sua constituição: invoco a história dos costumes como prova de que os períodos do desenvolvimento de uma e o declínio da outra não corresponderam, com igual exatidão, a qualquer exemplo de causa e efeito morais. O drama em Atenas, ou onde quer que ele possa ter-se aproximado de sua perfeição, foi sempre coetâneo à grandeza moral e intelectual da era. As tragédias dos poetas atenienses são como espelhos nos quais o espectador contempla a si próprio […] (p. 181)
Nem os olhos nem o espírito podem ver a si mesmos, salvo quando refletidos naquilo a que se assemelham. O drama, enquanto continuar a exprimir-se em poesia, é como um espelho prismático e multifacetado que capta os mais brilhantes raios da natureza humana e os divide e reproduz com a simplicidade de suas formas elementares, tinge-os de majestade e beleza e multiplica tudo que reflete, dotando-os do poder de propagar sua semelhança por onde quer que irradiem. (p. 182)
A poesia é uma espada refulgente, sempre nua, que desgasta a bainha que deveria contê-la. (p. 182)
[Corrupção social X Poesia] A obscenidade, que é sempre blasfêmia contra a divina beleza na vida, pela própria dissimulação com que se oculta, torna-se tanto mais eficaz quando menos repugnante: é um monstro para o qual a corrupção da sociedade traz sempre novo alimento, que ele devora em segredo. […] toda linguagem, instituição e forma precisam ser não apenas produzidas, mas mantidas: a função e o caráter de um poeta participam da natureza divina no que diz respeito à criação, mas não menos à providência. (p. 182–183)
Pois o propósito da corrupção social é destruir toda sensibilidade para o prazer e, portanto, é corrupção. O núcleo pelo qual ela inicia é a imaginação e o intelecto e deles alastra-se como um veneno paralisante através dos sentimentos até os próprios apetites, tornando-se tudo, por fim, uma sórdida massa na qual dificilmente um sentido sobrevive. Quando um semelhante período se aproxima, a poesia dirige-se sempre àquelas faculdades que são as últimas a ser destruídas, e sua voz é ouvida como os passos de Astréia, ao abandonar o mundo. À poesia sempre transmite todo o prazer a que os homens são receptíveis: ela é, desde sempre, a luz da vida; a origem de tudo que é belo, generoso ou verdadeiro pode subsistir em tempos funestos. […] Mas é necessário que a Corrupção tenha destruído completamente o tecido da sociedade humana para que a poesia possa ser extinta. (p. 184)
É [a poesia] a faculdade que contém as sementes tanto da renovação de si mesma quanto da sociedade. (p. 184)
E o mundo teria caído na mais completa anarquia e escuridão, se não tivesse havido poetas dentre os autores dos sistemas cristão e cavalheiresco de costumes e religião, poetas que criaram formas de opinião e ação nunca antes concebidas, as quais, gravadas nas imaginações dos homens, tornaram-se como que generais para os perplexos exércitos dos seus pensamentos. (p. 185)
[Poesia e religião] [Poesia e superstição] A poesia presente nas doutrinas de Jesus Cristo e a mitologia e instituições dos conquistadores celtas do Império Romano sobreviveram às convulsões congênitas ao seu crescimento e vitória e fundiram-se em uma nova tessitura de costumes e opinião. É um erro imputar a ignorância da idade das trevas às doutrinas cristãs ou ao predomínio das nações celtas. O que possa ter havido de funesto em seus atos originou-se da extinção do princípio poético, associada ao progresso do despotismo e da superstição. Os homens, em virtude de causas demasiado complexas para serem discutidas aqui, haviam se tornado insensíveis e egoístas: a sua própria vontade se enfraquecera e, todavia, eram dela seus escravos e, portanto, escravos da vontade alheia: a luxúria, o medo, a cobiça, a crueldade e a desonestidade caracterizaram uma raça na qual não se poderia encontrar ninguém capaz de criar, seja quanto à forma, linguagem ou instituição. (p. 186–187)
[…] o Cristianismo, em sua pureza abstrata, tornou-se a expressão exotérica das doutrinas esotéricas da poesia e da sabedoria da antiguidade. A incorporação das nações celtas à exaurida população meridional nesta imprimiu a imagem da poesia existente em sua mitologia e em suas instituições. (p. 187)
[Dos poetas épicos] A poesia de Dante pode ser considerada como a Ponte — construída sobre a correnteza do Tempo — que une os Mundos moderno e antigo. (p. 189)
Homero foi o primeiro poeta épico e Dante, o segundo: isto é, o segundo poeta cuja série de criações mostrou uma relação definida e inteligível com o conhecimento, o sentimento e a religião da época em que viveu e das épocas que se sucederam, desenvolvendo-se em conformidade com a evolução destas. […] Milton foi o terceiro poeta épico: pois se o título de épico no seu mais elevado sentido for recusado à Eneida, menos ainda poderá ser concedido ao Orlando furioso, a Gerusalemme liberata, aos Lusíadas ou a Faerie Queene. (p. 190)
Dante foi o primeiro reformador religioso, e Lutero superou-o antes pela crueza e pela acrimônia do que pela ousadia de suas censuras à usurpação papal. (p. 190)
Toda alta poesia é infinita. […] Um grande poema é uma fonte eternamente transbordante das águas da sabedoria e do deleite […] (p. 190–191)
[Poesia X Razão] Todavia, sob outro pretexto, os Poetas foram desafiadores a renunciar à coroa cívica em proveito de raciocinadores e mecanicistas. Admite-se que o exercício da imaginação proporciona um imenso deleite, mas alega-se que o da razão é mais útil. Examinemos, como fundamento dessa distinção, o que se entende aqui por Utilidade. O prazer ou o bem, em um sentido amplo, é aquilo que a consciência de um ser sensível e inteligente busca e ao qual, quando encontrado, ele se rende. Há duas espécies de prazer, um duradouro, universal e permanente; o outro, transitório e particular. A utilidade pode denotar os meios de gerar o primeiro ou o segundo. No primeiro sentido, é útil tudo aquilo que reforce e purifique os sentimentos, amplie a imaginação e acrescente espírito ao sentido. Porém o significado com o qual o autor do “Four Ages of Poetry” parece ter empregado a palavra utilidade é o mais restrito, que elimina o incômodo das necessidades de nossa natureza animal, a possibilidade de uma vida segura para o homem, a dispersão das ilusões mais grosseiras da superstição e também a conquista de uma tolerância mútua entre os homens em um grau compatível com as razões do benefício pessoal. (p. 191)
Mas que o cético, quando destrói as superstições grosseiras, evite a desfiguração — como fizeram os escritores franceses — das verdades eternas gravadas na imaginação dos homens. (p. 192)
Nota do leitor: Na obra Ortodoxia, Chesterton faz uma belíssima defesa da poesia, mostrando sua aparente oposição e superioridade sobre a razão: “O fato geral é simples. A poesia mantém a sanidade porque flutua facilmente num mar infinito; a razão procura atravessar o mar infinito, e assim torná-lo finito. O resultado é a exaustão mental […]” — G. K. Chesterton in Ortodoxia
[Poesia e prazer] A tristeza, o terror, a angústia, o próprio desespero são frequentemente expressões sutis de uma proximidade do supremo bem. Nossa simpatia na ficção trágica depende desse princípio; a tragédia causa deleite ao propiciar um vislumbre do prazer que existe na dor. Igualmente essa é a origem da melancolia, inseparável da mais doce melodia. O prazer que existe na tristeza é mais doce do que o contido no próprio prazer. Eis o porquê do adágio “Mais vale frequentar a casa do luto do que a casa da alegria”. Isso não quer dizer que a espécie mais elevada de prazer esteja necessariamente ligada à dor. A delícia do amor e da amizade, o êxtase da admiração da natureza, a alegria da percepção e mais ainda a da criação poética são muitas vezes inteiramente puras. A geração e a certeza do prazer nesse sentido mais elevado são a verdadeira utilidade. Aqueles que geram e preservam esse prazer são poetas ou filósofos poetas. (p. 192)
[Poesia e moral] […] nem o esforço de toda a nossa imaginação poderia conceber qual seria a condição moral do mundo se nem Dante, Petrarca, Boccaccio, Chaucer, Shakespeare, Calderón, lorde Bacon, nem tampouco Milton jamais tivessem existido; se Rafael e Miguel Ângelo nunca tivessem nascido; se a poesia hebraica jamais tivesse sido traduzida; se um renascimento do estudo da literatura grega jamais tivesse ocorrido; se nenhum dos monumentos da escultura antiga nos tivesse sido legado; e se a poesia da religião do mundo antigo tivesse sido extinta juntamente com sua crença. Não fosse a intervenção desses estímulos, o espírito humano nunca poderia ter despertado para a invenção das ciências mais vulgares e para aquelas aplicações do raciocínio analítico às condutas reprováveis da sociedade que agora se tenta enaltecer acima da expressão direta da própria faculdade inventiva e criadora. (p. 193)
[Da natureza da poesia e do poeta] A poesia é de fato algo divino. É simultaneamente o centro e a circunferência do conhecimento; aquilo que abrange toda a ciência e aquilo a que toda ciência deve ser referida. É ao mesmo tempo a raiz e a flor de todos os outros sistemas de pensamento; é a origem e o adorno de tudo […] E a perfeita e completa aparência e viço de todas as coisas; é como o perfume e a cor da rosa para a textura dos elementos que a compõem […] (p. 194)
Que seriam a Virtude, o Amor, o Patriotismo, a Amizade — que seria o cenário deste belo Universo que habitamos — que seriam nossos refrigérios neste lado da sepultura — e que seriam as nossas aspirações para além dela — se a Poesia não se elevasse para trazer luz e chama dessas regiões eternas onde a faculdade calculista, como a alada coruja, nunca ousa pairar? A poesia não é como o raciocínio, uma capacidade que pode ser exercida segundo a determinação da vontade. Um homem não pode dizer: “Vou compor poesia.” Nem mesmo o maior dos poetas pode dizê-lo, pois o espírito em criação é como uma brasa que está se apagando […] quanto inicia a composição, a inspiração já está declinando, e a mais gloriosa das poesias jamais comunicada ao mundo é provavelmente uma tênue sombra das concepções originais do Poeta.(p. 194–195)
A poesia é o registro dos melhores e mais felizes momentos dos espíritos mais felizes e melhores. […] É como se nossa natureza fosse penetrada por uma outra, mais divina […] (p. 195)
[…] a poesia torna imortal tudo que há de melhor e mais belo no mundo […] A poesia tudo transforma em encanto; ela exalta a beleza daquilo que é mais belo e acrescenta beleza ao que existe de mais disforme; ela concilia a exultação e o horror, a dor e o prazer, a eternidade e a mudança; une, sob seu leve jugo, todas as coisas irreconciliáveis. […] ela sempre cria para nós um ser dentro de nosso ser. Ela nos torna habitantes de um mundo para o qual o mundo familiar é um caos. (p. 196)
O poeta, como é para outros o autor da mais elevada sabedoria, virtude e glória, também pessoalmente deve ser o mais feliz, o melhor, o mais sábio e mais ilustre dos homens. […] sua constituição é mais delicada do que a de outros homens e vulnerável ao sofrimento e ao prazer, tanto próprios quanto aos dos outros, em um grau desconhecido por eles […] (p. 196–198)
O mais constante arauto, companheiro e seguidor do despertar de um grande povo na promoção de uma transformação benéfica nas opiniões ou nas instituições é a Poesia. […] Os poetas são os legisladores não reconhecido do Mundo. (p. 199)
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