Parnaso

Parnaso Volume II

Sejam bem-vindos ao volume II do Boletim Parnaso! Eu sei, foram meses que se passaram desde o volume I, mas foi por uma boa causa… boas causas, na verdade: cuidado com a família, principalmente para com minha filha, Cecília, que completou um aninho recentemente e ainda demanda muito de nós, quem é pai ou mãe sabe; trabalho e trabalho extra; adaptação de fábulas de Esopo; estudos e outros escritos. Mas enfim, aqui estamos, em meu site e também no Substack.

Quero agradecer a todos os inscritos no boletim, e aos feedbacks que recebi por e-mail. Para quem quiser escrever-me, faça para contato@andersonsandes.com.br — contribuições para o Pix no mesmo endereço de e-mail. Hoje pretendo trazer mais cinco temas, alguns que ficaram abertos do Volume I: pintura, escultura, poesia, personagem e etimologia.

Talvez vocês lembrem que na seção de poesia abordamos o tema do Parnasianismo, na qual eu trouxe o exemplo do poema Ciclo, de Olavo Bilac, publicado em sua obra póstuma Tarde, em 1919. Pois bem, comentei que poderia trazer mais detalhes sobre o poema em um próximo volume do Parnaso, e assim o farei. Vamos lá!

Antes de iniciarmos, apresento uma pintura de Thomas Cole, de uma série chamada “A Viagem da Vida”: Velhice, de 1842. E em instantes vocês entenderão o motivo. Quem sabe num próximo volume eu fale sobre essa série de pinturas.

A Viagem da Vida: Velhice, 1842, de Thomas Cole

I. Poesia: Ciclo, de Olavo Bilac

Como vocês descobriram, os poetas parnasianos, de grande veia positivista, se opunham ao romantismo e ao simbolismo, mas nem sempre essa regra era cumprida, — afinal, poesia não se faz apenas de técnicas, não é mesmo? — principalmente quando falamos de Olavo Bilac. A obra Tarde, na verdade, é uma obra, de modo geral, bastante existencialista. Eis o poema:

Ciclo

Manhã. Sangue em delírio, verde gomo,
Promessa ardente, berço e liminar:
A árvore pulsa, no primeiro assomo
Da vida, inchando a seiva ao sol… Sonhar!

Dia. A flor — o noivado e o beijo, como
Em perfumes um tálamo e um altar:
A árvore abre-se em riso, espera o pomo,
E canta à voz dos pássaros… Amar!

Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo;
A árvore maternal levanta o fruto,
A hóstia da idéia em perfeição… Pensar!

Noite. Oh! Saudade!… A dolorosa rama
Da árvore aflita pelo chão derrama
As folhas, como lágrimas… Lembrar!

Olavo Bilac

Claramente temos aqui um soneto, uma métrica impecável, solenidade no vocabulário, preciosismo linguístico entre outras características parnasianas. Mas o leitor atento logo percebe que o poema é rico em simbolismo, ainda que “direto”. O poeta fala da vida e suas fases, do nascimento à velhice.

Vou fazer uma rápida explanação, apenas para dar vias ao leitor, sem o impossível propósito de esgotar o poema. Percebam como Bilac se utiliza dos períodos de um dia para simbolizar o avanço da idade, logo nas primeiras palavras de cada estrofe: manhã, dia, tarde e noite. Vejam a descrição de cada período. A manhã pulsa, é ardente, delirante. É a primeira e segunda infância, cheia de curiosidade, tendo o mundo a ser explorado. O dia é o momento de juventude, período de paixão, risada, beijos, cantos. É a juventude em sua plenitude até “festiva”, digamos. A tarde é a maturidade, é quando colhemos os frutos, as glórias, quando o vigor já foi bem usado e agora “frutificamos”, temos filhos, posses, obras etc. Mas ainda é momento de produzir e correr. E eis que vem a noite, o instante do desgaste vital, da dor, a essa altura já perdemos alguns amigos, familiares, amores, glórias, força. As folhas caem, é a velhice.

Perceberam o simbolismo? É lindo, não concordam? Reparem que podemos também comparar às quatro estações do ano: primavera, verão, outono e inverno. Do mais vibrante ao mais frio e mórbido. E para fecharmos este tópico, peço para que observem as últimas palavras de cada estrofe, são verbos que representam cada fase ou estação da vida: Sonhar, Amar, Pensar e, por fim, Lembrar. E como num instante, como a leitura de um soneto, saímos do sonho, de “toda uma vida pela frente” e chegamos às memórias daquilo que já foi vivido.

Desejo sinceramente que tenham uma boa “noite”, companheiros de vida! E espero que toda essa profundidade não tenha deixado vocês para baixo, pois o show não pode parar. Sigamos!

O Parnaso é gratuito, mas se vocês quiserem contribuir com algum valor, poderão enviar um pix para contato@andersonsandes.com.br. Enviem-me também, por esse endereço, um e-mail, digam-me o que acharam do projeto.

II. Pintura: Aristóteles contemplando um busto de Homero

Sim, no último Parnaso essa pintura apareceu, quando tratamos da biografia de Homero, se é que podemos chamar de “biografia”. É uma pintura de 1653, do pintor holandês Rembrandt Harmenszoon van Rijn.

Aristóteles contemplando um busto de Homero, 1653, por Rembrandt

Essa pintura, Aristóteles contemplando um busto de Homero, foi o resultado de uma encomenda de um siciliano nobre chamado Don Antonio Ruffo, sem solicitar nenhuma temática em particular. Aristóteles é pintado como um rico comerciante holandês do século XVII, usando uma corrente de ouro — dado a ele por Alexandre o Grande, seu discípulo — e contemplando um busto esculpido de Homero, o grande poeta grego, autor de Ilíada e Odisseia.

Aristóteles era um grande admirador de Homero, e foi um importante defensor das artes poéticas, em um tempo em que havia certa contenta entre filósofos e poetas. O filósofo estudou e sistematizou muita coisa sobre poesia em sua obra Poética, estudada até os dias de hoje, em questões estéticas, linguísticas, artísticas e tantas outras inesgotáveis disciplinas.

Julius Held, historiador da arte, faz uma análise da pintura de Rembrandt. Segundo Helb, Aristóteles aparenta cansaço perante o mundo, ao olhar para o busto do cego e humilde Homero, no qual pousa uma das mãos.

Vê-se um homem de sólida ciência metódica submetendo-se à arte e, ao mesmo tempo um rico e famoso filósofo, usando o cinto de joias dado a ele por Alexandre o Grande. O autor observa que a mão direita de Aristóteles, que repousa sobre Homero, é mais alta e pintada em tons mais claros do que a mão esquerda na corrente de ouro que Alexandre lhe deu. Helb também disse que os dois objetos representam seus valores contrastantes: o busto sendo seus valores perenes, enquanto a corrente são seus valores mais passageiros.

Sem dúvida é uma de minhas pinturas favoritas. É a perfeita e bela representação de respeito a um legado, legado esse que fez parte do espírito do tempozeitgeist — para muitos e muitos gregos. Rembrandt captou muito bem tal sentimento, não acham?

III. Escultura: O Pensador ou o Poeta?

A essa altura do campeonato vocês já perceberam que amo falar de poesia, não é? Mas o que posso fazer? Está por toda a parte. Com certeza todos conhecem O Pensador, a escultura de um homem pensando, repousando sobre a mão, muito explorada na cultura pop, em desenhos animados, entre tantas referências.

Quem esculpiu o famoso “O Pensador” foi Auguste Rodin (1840–1917), um escultor francês, considerado o progenitor da escultura moderna. “Le Penseur” é o nome original da escultura, e é possível encontrar diversas réplicas em todo o mundo.

Rodin desenvolveu a postura de seu personagem, pela primeira vez, para um projeto monumental de uma porta baseada na “Divina Comédia” — encomendado em 1879 para a entrada do novo Museu de Artes Decorativas de Paris, mas o museu nunca foi inaugurado —, em que o poeta, Dante Alighieri, pairasse sobre as cenas de aflição do Inferno, parte inicial de seu poema. Em suma, o nome original da figura central era “O Poeta”, Le Poète, em francês, parte da obra “A Porta do Inferno”.

Rodin escolheu fazer seu pensador nu para seguir o estilo dos nus heróicos de Michelangelo e seus irmãos renascentistas. Em sua vida, Rodin fez pelo menos 10 Pensadores. Após a sua morte em 1917, os direitos de reformulação foram dados à nação da França. Desde então, esse número cresceu para mais de 20. As réplicas são cópias oficiais, pois derivam do molde original da estátua terminada em 1902.

Rodin ao lado de sua criação

O tamanho do “Pensador” original é de aproximadamente 186 centímetros de altura, feita de bronze, pesa cerca de 300 quilogramas. Certamente a criação de Rodin faz parte do imaginário moderno e, com o perdão do trocadilho, nem é preciso pensar tanto para chegar a tal conclusão.

IV. Personagem: Heitor de Tróia

Já que falamos em poesia, em Homero, que tal tratarmos agora de um personagem poético de Homero? Heitor é, talvez, meu personagem predileto da Ilíada. Digo talvez pois outros tantos são bem interessantes, Eneias, Pátroclo, Diomedes, Ulisses e o próprio Aquiles. Mas Heitor é especial, tanto que, esse nome foi eleito para ser o nome de meu filho, caso fosse menino, mas aí veio Cecília para a nossa alegria, e Heitor virou apenas o nome de meu diário — pasmem.

Mas o leitor pode perguntar: por que você disse “personagem poético”? Ele não existiu de verdade? A resposta curta é: é possível que sim. Mas não há registros documentais de tal existência. Porém, há achados da cidade de Tróia e evidências de uma grande guerra na cidade, podendo ser observada hoje no sítio arqueológico de Troia, localizado na Turquia. Bem, por isso criei a seção personagem, ao invés de tratar de Heitor como biografia, pois me deterei na obra de Homero.

Heitor convocando Paris para uma batalha, 1775, Angelica Kauffmann

Heitor é um dos príncipes de Tróia, filho do rei Príamo, irmão de Paris, o causador da guerra de Tróia, ao levar Helena, esposa do espartano Menelau. Na pintura acima, de Angelica Kauffmann, Heitor está “dando um puxão de orelha” em Paris, por não estar lutando na guerra, mesmo sendo o seu causador. Estas foram as palavras do nobre Heitor:

Estranha criatura! Não te fica bem estares para aí amuado. As tropas morrem em torno da cidade e da íngreme muralha, em combate; e é por ti que a guerra e o grito da refrega lavram em volta da cidade. Tu próprio te zangarias com outro qualquer que visses a tentar retirar-se da guerra odiosa. Vá, levanta-te, antes que a cidade se abrase em fogo ardente.

Ilíada, canto VI, vv. 326–331

Acho que a Angelica Kauffmann pintou muito bem esse momento. Heitor não era perfeito, tinha seus momentos de fraqueza, mesmo sendo o melhor dentre os troianos. Mas aqui elenco algumas de suas virtudes admiráveis em um líder.

Coragem e habilidade: Heitor foi um homem capaz de morrer pelo seu povo, mesmo não tendo culpa pela guerra, e sua capacidade de liderar e inspirar eram sem comparação, superando, a meu ver, o próprio rei, seu pai. Devoção à família: a relação com sua esposa, Andrômaca, e seu filho, Astíanax, é descrita como amorosa e afetuosa. O diálogo do casal é uma das coisas mais lindas que se tem na Ilíada, recomendo que leiam, também está no Canto VI. A devoção que Heitor tinha à sua família se estendia a todo o povo de Tróia. Nobreza e honra: Além de carregar a responsabilidade de proteger o seu povo, Heitor era nobre e honrado para com seus inimigos, respeitando-os como oponentes e demonstrando compaixão pelos caídos em batalha.

Heitor é morto defendendo a sua cidade. É derrotado por Aquiles em um duelo. Além de motivado por vingança, Aquiles recebeu armas e auxílio dos deuses. Mesmo sendo o melhor dos Troianos, não tinha como vencer facilmente. O funeral de Heitor é doloroso, dramático. Com a morte dele, morria toda Tróia.

Que personagem inspirador, tenha ele sido real ou não, estou certo de que deva ter mexido com o imaginário de muitos na antiguidade — assim como hoje.

V. Etimologia: Inteligência

Eu amo etimologia, que basicamente é o estudo da origem e significado das palavras. E hoje eu trouxe a palavra “inteligência” para dissecá-la. Ouvimos essa palavra o tempo todo, mas de onde vem? O que significa realmente?

A garota doente, 1882, Michael Peter Ancher

Inteligência vem do latim intelligencia que, por sua vez, deriva de intellegere. Inter + legere: Inter é “entre” — não do verbo entrar, mas no sentido de estar entre algo, no meio, misturado — e legere é “escolher”, “ler” — no sentido de saber juntar as letras. Portanto, inteligência quer dizer algo como “saber ler nas entrelinhas”, “escolher dentro daquilo que se leu”, “escolher a melhor alternativa entre várias”.

Legere também pode ter o sentido de “saber juntar”, não apenas “separar”. Podemos dizer, então, que inteligência é a capacidade de discernir, conhecer, compreender, escolher. É saber separar e juntar as coisas de modo medido, correto. Só podemos escolher dentro daquilo que nos é dado, daquilo que sabemos e conhecemos, daí a importância da leitura nesse processo, ampliando nossas experiências e repertório.

Se eu tenho apenas uma pecinha de lego, não posso construir nada, com poucas peças já tenho algumas possibilidades, mas se tenho um balde cheio de legos, as possibilidades de juntar, separar, selecionar e montar algo mais interessante é muito maior.


E… corta! Chegamos ao fim de nosso segundo Boletim Parnaso. Espero que tenham gostado. O Parnaso é gratuito, mas se vocês quiserem contribuir com algum valor, poderão enviar um pix para contato@andersonsandes.com.br. Enviem-me também, por esse endereço, um e-mail, digam-me o que acharam do projeto. Recomendem o nosso boletim aos amigos que querem ampliar a inteligência e a cultura.

Com toda devoção e simpatia.
Seu, Anderson C. Sandes

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Publicado por Anderson C. Sandes

Poeta, cronista, ensaísta, autor de Baseado em Fardos Reais; Arte e Guerra Cultural: preparação para tempos de crise; organizador da Antologia Quando Tudo Transborda. Pedagogo. Vivo de poesia pra não morrer de razão.

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