Sobre a arte poética (ou Poética) provavelmente registrada entre os anos 335 a.C. e 323 a.C., é um conjunto de anotações das aulas de Aristóteles sobre o tema da poesia e da arte em sua época, pertencentes aos seus alunos escritores (para serem transmitidos oralmente aos seus alunos) ou esotéricos (textos para iniciados).
Estes cadernos de anotações eram destinados às aulas do Liceu e serviam de guia para o mestre e investigador Aristóteles, anotações esquemáticas destinadas a serem desenvolvidas em suas aulas e não para serem conhecidas através da leitura. Praticamente tudo que se conservou de Aristóteles faz parte das obras acroamáticas. É o primeiro escrito conhecido que procura especificamente analisar determinadas formas da arte e da literatura, também um registro limitado de como era a arte grega em seu tempo. A Poética, “não é apenas a primeira teoria do Teatro ocidental; trata-se de um livro que influenciou essa arte ao longo de sua história e que ainda ecoa”.
No ano de 343 a.C., chamado por Filipe II, rei da Macedônia, Aristóteles torna-se instrutor de seu filho Alexandre, futuro sucessor do reino, função que exerceu até 336 a.C., quando Alexandre sobe ao trono. As anotações da Poética são produzidas na fase final da vida de Aristóteles, quando este muda-se para Atenas, aos quarenta e nove anos. Lá funda sua escola, o Liceu, ao redor de 334 a.C., localizada no templo de Apolo Liceu (Likeios, referência ao local do templo).
Fichamento: Sobre a arte poética, de Aristóteles [provavelmente registrada entre os anos 335 a.C. e 323 a.C.] Autêntica, 2018. Tradução de Antônio Mattoso e Antônio Queirós Campos. O método usado no seguinte fichamento é bem simples: citações diretas destacadas e, por vezes, notas minhas sobre tais citações. Fichamento abaixo:
Prefácio: A poética de Aristóteles é uma teoria da literatura? (Por Jacyntho Lins Brandão)
Aristóteles tem consciência de que compõe uma obra sem precedentes, pois não se refere a nenhum antecessor – e isso se levando em conta que, com a forma do tratado, ele nos legou também a prática do que hoje chamamos de “revisão da bibliografia”, de que é um exemplo admirável o primeiro livro da Metafísica, em que passa em revista todos os filósofos que, antes dele, haviam abordado a questão das causas, indo de Tales até Platão. (p. 8–9)
[Da poesia] […] para Aristóteles, tratar de poética é tratar de mimese. (p. 10)
Nota do leitor: O entendimento geral da época era de que poesia seria apenas a arte dos versos, não se tinham ainda noções do que chamamos hoje por “literatura”, apesar da mesma já está surgindo e vista com certa estranheza e sem nome para tratá-la. Para Aristóteles, poesia tratava-se de mimese, ou seja, de imitação da natureza (sem necessariamente ser inferior a ela, segundo Ariano Suassuna em Iniciação à Estética, de criar narrativas. Ao longo da obra o filósofo vai elencando características daquilo que ele considera uma boa poesia.
[Do caráter da obra] Muitos lamentam que boa parte da obra se concentre na tragédia, a epopeia e a comédia sendo convocadas apenas para contrapontos com ela. […] Por outro lado, deve-se ter em mente que a tragédia constituía, como pretende o próprio Aristóteles, uma espécie de obra total, na medida em que usava de um número maior de meios […]: não só linguagem metrificada, com várias espécies de metro, nos diálogos e nos intermezos do coro, como também música, dança, figurinos e todos os recursos da cenografia. Enfim, fora contra a tragédia que Platão mais se voltara, por ser o mais mimético dos gêneros. (p. 12)
Nota do leitor: hoje temos o cinema, que poderia ser considerado uma forma de arte muito mais mimética, por utilizar de várias outras artes para sua conclusão.
[Da mímese, ou imitação] […] do ponto de vista antropológico, “o mimetizar é inato aos homens”, o que implicaria considerar que, por natureza, o homem é um animal mimético. O caráter paidêutico da mimese se demonstra considerando-se que é por meio dela que o homem “adquire os primeiros conhecimentos”. […] Enfim, da perspectiva gnosiológica, os que contemplam as imagens “aprendem e concluem o que é cada coisa”, reconhecendo, por exemplo, num arbusto pintado, que se trata de um arbusto. A todos esses argumentos se acrescenta que a poesia é “algo não só mais filosófico, mas também mais elevado que a história”, porque, competindo a esta dizer “o que aconteceu”, ao poeta cabe falar do “que poderia acontecer e as coisas possíveis segundo o verossímil ou o necessário” […] (p. 12–13)
[…] Ora, ao defender que o poeta, enquanto mimetizador, se ocupa do universal, Aristóteles sugere que ele remete não é a algo particular, como a uma cama qualquer produzida pelo carpinteiro, mas ao universal, ao possível […] (p. 13)
Introdução à arte poética
Nota do leitor: aqui os tradutores (Antônio Mattoso e Antônio Queirós Campos) trazem alguns tópicos que ajudam a compreender a obra de Aristóteles, além de trazerem justificativas para a tradução proposta. Abaixo alguns de meus destaques:
[Da relação entre Platão e Aristóteles] Na Academia, escreve sua obra exotérica, a maior parte sob forma de diálogos, ora defendendo os princípios e formulações de seu mestre, ora submetendo-os a duras críticas, como no caso da Teoria das Ideias. (p. 18)
[Mímese X Natureza] Em sua Física, Aristóteles se refere às artes imitativas ou miméticas nesses termos: “Algumas coisas que a natureza não sabe fazer, a arte faz: as outras, ao invés, imita”. (p. 20)
[Da obra] […] a Poética, a par de sua aparência de obra escolar, é também incompleta, terminando meio abruptamente seu último capítulo – o XXVI – e ficando apenas prometido um Livro II (que nem se sabe se foi escrito ou se desapareceu) acerca da poesia cômica e do esclarecimento de noções mencionadas no Livro I, como a catarse. (p. 21)
Nota do leitor: Em Aristóteles, a Catarse é algo como “purgação”, “purificação”, “esclarecimento”, relacionados aos sentimentos vivenciados na contemplação do espetáculo trágico, como terror ou piedade.
[Poesia hoje] […] a reflexão sobre gêneros poéticos hoje em dia não mais se centra na determinação de formas e regras para escrever poesia, mas busca os conceitos por trás de cada gênero […] (p. 22)
Duas premissas básicas para a leitura da Poética
Nota do leitor: as próximas observações deste tópico V, nas páginas 27 e 28 são os mais importantes para a compreensão da obra. Fiz um post em meu Instagram com o resumo das duas premissas, eis o link. Em suma: A primeira é dar-se conta de que se trata de uma resposta ao desafio de Platão lançado no Livro X da República (607 d-e), em que expulsa o poeta da Pólis ideal, deixando, porém, a porta entreaberta em seu Estado utópico para a poesia mimética, nos seguintes termos: “Concederemos certamente a seus defensores, que não forem poetas, mas forem amantes da poesia, que falem em prosa, em sua defesa, mostrando como é não só agradável, como útil para os Estados e a vida humana. E escutá-los-emos favoravelmente, porquanto só teremos vantagem, se se vir que ela é não só agradável, como também útil” — Platão in A República. Aristóteles encarnou essa figura do amante da poesia, que, em prosa, resolveu desincumbir-se de sua defesa, mostrando sua utilidade social e apontando as virtudes cognitivas inerentes à poesia em sua proximidade com o caráter universal da filosofia. Um segundo ponto a ser considerado é o fato de A Poética ser provavelmente uma das últimas obras do filósofo, abarcando assim todo um conjunto de conceitos — e visão de mundo — anteriormente estabelecidos, como sua Ética e Metafísica.
Sobre a arte poética
[Princípios das artes poéticas] […] existem algumas artes que usam todos os meios já referidos, quero dizer o ritmo, a melodia e o metro como a poesia dos ditirambos e nomos, a tragédia e a comédia. Diferem porque umas usam todos <os meios> ao mesmo tempo, outras, conforme a parte. (p. 33)
[Tragédia X Comédia] […] a tragédia está separada da comédia; uma, pois, visa imitar piores; outra, melhores que os de agora. (p. 35) […] Sófocles seria o mesmo mimetizador que Homero, pois ambos mimetizam <caracteres> nobres; em outra distinção seria o mesmo mimetizador que Aristófanes, pois ambos mimetizam agentes e atuantes. (p. 37)
Nota do leitor: A comédia retrata os piores comportamentos humanos, enquanto a tragédia retratariam os melhores.
[Origem e desenvolvimento da poesia] [Função da poesia] Parecem ter engendrado a arte poética duas causas e elas próprias naturais. O ato de mimetizar é inato aos homens desde a mais tenra infância e nisso diferem dos outros animais porque é o mais mimético e por meio da mímesis adquire também os primeiros conhecimentos e também quanto ao fato de todos se alegrarem com as mimetizações. (p. 37)
E também causa disso é que aprender é agradabilíssimo não apenas aos filósofos, mas também aos outros igualmente, participando, <estes> contudo, disso em menor grau. (p. 39)
[Homero, o primeiro dos poetas] Não podemos falar de um poema de tal tipo de nenhum <poeta> dos anteriores a Homero, mas é verossímil muitos existirem, mas nos é possível <falar> tendo começado a partir de Homero […] (p. 39)
[Contribuição de Ésquilo] […] quanto ao número de atores, Ésquilo primeiro o elevou de um para dois, diminuiu as intervenções do coro e tornou o diálogo protagonista; Sófocles, por outro lado, elevou de dois para três e preparou a cenografia. (p. 41)
[Da comédia] A comédia é, como dissemos, mímesis de homens mais vis, mas não em relação a qualquer vício, mas <em relação> à parte do feio <que> é o risível. Pois o risível é um defeito e uma fealdade não apenas indolor, mas também não destrutiva, como, num exemplo mais à mão, a máscara cômica é algo feio e distorcido sem dor. (p. 43)
[…] quem introduziu máscaras, prólogos e quantidade de atores29 e quantos elementos semelhantes, não se sabe; mas, quanto a compor mitos, Epicarmo e Fórmis <o fizeram>.30 Por um lado, <o compor mitos>, no princípio, veio da Sicília; por outro, entre os atenienses, Crates por primeiro começou, abandonando a forma iâmbica, a compor argumentos e mŷthoi de caráter universal. (p. 45)
[Da tragédia] […] é a tragédia mímesis de ação elevada e completa, com certa extensão, com linguagem ornamentada […] quero dizer com “linguagem ornamentada” a que tem ritmo, harmonia e melodia […] (p. 45–47)
É necessário, então, serem seis as partes de toda tragédia, por causa das quais a tragédia é um qual; e essas são mito, caracteres, elocução, pensamento, espetáculo e melopeia (p. 47)
E a mais importante dessas partes é a organização das ações; pois a tragédia é mímesis não de homens, mas de ação e vida, e tanto a felicidade quanto a infelicidade estão na ação e a finalidade é uma ação, não uma qualidade. […] as ações e o mŷthos são a finalidade da tragédia e a finalidade é o mais importante de tudo. (p. 49)
E já está estabelecido por nós ser a tragédia mímesis de ação completa e inteira […] E inteiro é o que tem princípio, meio e fim. Princípio é aquilo que em si mesmo não existe por necessidade depois de algo, mas algo deve por natureza62 existir ou devir depois dele; contrariamente, o fim é aquilo que por natureza deve existir depois de algo, ou necessariamente ou na maioria das vezes, depois dele, nada existe; e meio é não só o que em si mesmo está depois de algo, mas também existe algo depois dele. É preciso, então, que os mitos bem organizados nem comecem ao acaso por qualquer ponto nem findem num ponto qualquer, mas se sujeitem aos modelos que acabam de ser mencionados. (p. 53)
[Do belo] Além disso, visto que o belo, não só um ser vivo, mas tudo organizado em partes, não somente é preciso tê-lo organizado, mas também é preciso ter uma magnitude não ao acaso; com efeito, o belo está na magnitude e na ordem, razão pela qual nem poderia ser belo um animal demasiado pequeno (pois a visão se confunde quando se dá próxima de um tempo imperceptível) nem demasiado grande (pois a visão não se dá simultaneamente, mas escapam aos observadores a unidade e o todo da visão […] assim também em relação aos mitos, é preciso terem extensão e essa deve ser facilmente apreensível pela memória. (p. 53)
Nota do leitor: Uma obra bela deve “caber na memória”. Não deve nem ser muito pequena nem muito grande de modo que falte harmonia e completude.
[Poesia X História] Com efeito, o historiador e o poeta não no dizer coisas com metro ou sem metro diferem (pois seria possível colocar os escritos de Heródoto em metros e em nada seria menos história com metro que sem metros); mas diferem nisto: em o primeiro dizer as coisas que aconteceram e o segundo as que poderiam acontecer. Por isso, a poesia é algo não só mais filosófico, mas também mais elevado que a história; pois a poesia diz de preferência as ações de modo universal e a história, as ações de modo singular. (p. 57)
[Ao poeta] […] é necessário o poeta ser poeta mais em relação aos mŷthoi que aos metros, <ele> é tanto mais poeta em relação à mímesis <quanto mais> mimetiza as ações. E, embora, aconteça de compor eventos ocorridos, em nada é menos poeta, pois nada impede que, dos eventos ocorridos, alguns serem tais que sejam verossímeis e possíveis de se produzirem, segundo o critério pelo qual ele é poeta deles. (p. 59)
[Do ideal do mito] […] é preciso a composição da mais bela tragédia ser não simples, mas complexa e ser esta mimética de terrores e compaixões […] (p. 65)
É necessário, então, ao belo mŷthos ser antes simples que duplo exatamente como dizem alguns, e mudar não da má fortuna para a boa, mas o contrário, da boa fortuna para a má, não por perversidade, mas por causa de um grande erro ou de alguém da qualidade já dita ou de um melhor antes que de um pior. (p. 67)
É evidente, então, que também as soluções dos mŷthoi é preciso do próprio mŷthos decorrerem, e não, como em Medeia, a partir de máquina […] (p. 75)
Nota do leitor: Aristóteles refere-se ao chamado “deus ex machina“: um recurso narrativo muito conhecido e utilizado com certa frequência inclusive no cinema. Trata-se de uma “solução milagrosa”, alguma reviravolta “mágica” para um problema do enredo. O termo (que é utilizado em latim) surgiu no teatro grego, quando muitas peças terminavam com um personagem divino surgindo no palco e resolvendo a trama. O método consistia em descer um ator (o deus) no meio da cena, utilizando uma espécie de guindaste (uma máquina). Daí o “deus surgido da máquina”: deus ex machina.
[ A excelência da elocução poética] E a excelência da elocução é ser clara e não chã. E a mais clara certamente é proveniente dos nomes vernáculos, mas é chã […] Mas é majestosa e afastada do vulgar a que emprega abundante elocução inusual […] Mas se alguém compuser tudo desse modo, ou enigma haverá ou barbarismo; se a partir de metáforas, enigma; mas, se de nomes estrangeiros, barbarismo. […] Quanto à abundante elocução inusual proveniente de nomes estrangeiros, é barbarismo. (p. 101)
Nota do leitor: o poeta deveria escrever de modo claro, sem ser “vulgar”, de modo majestoso sem ser enigmático ou incompreensível.
[Da coerência nas obras] É preciso preferir o impossível verossímil ao possível não persuasivo; e <é preciso> os argumentos não serem organizados a partir de irracionais, mas, sobretudo, certamente, não conter nada de irracional, caso contrário, <que seja> fora do mýtheuma […] (p. 113)
[Da extensão das obras] […] por ser possível <atingir> o fim da mímesis numa extensão menor, pois o mais concentrado é mais prazeroso que o diluído em muito tempo […] (p. 127)
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