Da obra e do autor: De acordo com a concepção da linguagem exposta por Schopenhauer, “todas as traduções são necessariamente imperfeitas”, pois as expressões características, marcantes e significativas de uma língua não podem ser transpostas para outra. (p. 2)
Ele ataca a literatura de consumo, procura estabelecer distinções entre os bons autores e os que escrevem por dinheiro, recrimina os jornalistas, condena o hábito de ler apenas novidades deixando de lado os clássicos e faz considerações sobre a degradação da língua pela literatura decadente. (p. 3)
Arthur Schopenhauer ( 1788-1860 ) vinha de uma família bastante ligada a essa literatura, já que sua mãe, Johanna Schopenhauer, foi uma romancista de algum renome e manteve junto com a filha, durante vários anos, um salão literário em Weimar. Nas primeiras décadas do século 19, essa cidade tinha um papel de destaque na cena cultural alemã, em função da presença de alguns dos mais importantes escritores e filósofos da época, como Herder, Wieland e especialmente Goethe, freqüentador habitual dos encontros no salão da viúva Schopenhauer […] sempre foi muito crítico em relação às atividades da mãe, com quem tinha discussões constantes. Após um período de estudos nas universidades de Göttingen e Berlim, com alguns retornos a Weimar, Schopenhauer rompeu definitivamente com a família em 1814 e se mudou para Dresden, onde se dedicou a escrever sua grande obra filosófica, O mundo como vontade e representação. (p. 4)
Após a publicação de O mundo como vontade e representação, que foi praticamente ignorado na época, Schopenhauer participou de uma seleção, em 1820, na Universidade de Berlim, e passou a dar aulas no mesmo departamento em que Hegel ocupava uma cátedra. Tentando concorrer com o grande prestígio do filósofo idealista, de quem discordava abertamente, Schopenhauer viu suas aulas esvaziarem cada vez mais, a ponto de lhe restarem apenas quatro alunos no segundo semestre de seu primeiro ano como professor. Influenciado pela pouca repercussão de seu livro e pelo fracasso de seu curso, ele acabaria abandonando o trabalho em Berlim. (p. 4)
[…] as obras de Schopenhauer continuaram a ter pouco reconhecimento por parte do público e dos estudiosos de filosofia, numa época em que a filosofia idealista de Fichte, Schelling e Hegel era predominante. Foi justamente o livro Parerga und Paralipomena — cujo título significa algo como “Acessórios e remanescentes” — que mudou essa situação, em 1851, tornando Schopenhauer um autor conhecido e abrindo caminho para a grande influência que ele teve sobre os artistas, escritores, filósofos das gerações seguintes, como Nietzsche, Wagner, Horkheimer, Thomas Mann, Tolstói e Sartre, entre outros. (p. 5)
Ainda jovem, Nietzsche chegou a considerar Schopenhauer o único filósofo alemão do século. (p. 5)
Thomas Mann comenta em ensaio sobre o filósofo, chegando a afirmar que “Schopenhauer, psicólogo da vontade, é o pai de toda a psicologia moderna; dele se vai, pelo radicalismo psicológico de Nietzsche, em linha reta até Freud”. (p. 5)
Fichamento: A Arte de Escrever, de Arthur Schopenhauer, L&M, 2011. Tradução de Pedro Süssekind. O método usado no seguinte fichamento é bem simples: citações diretas destacadas e, por vezes, notas minhas sobre tais citações. Fichamento abaixo:
Sobre a erudição e os eruditos
Os professores ensinam para ganhar dinheiro e não se esforçam pela sabedoria, mas pelo crédito que ganham dando a impressão de possuí-la. E os alunos não aprendem para ganhar conhecimento e se instruir, mas para poder tagarelar e para ganhar ares de importantes. (p. 8)
A cada trinta anos, desponta no mundo uma nova geração, pessoas que não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios, de modo sumário e apressado, depois querem ser mais espertas do que todo o passado. (p. 8)
Em geral, estudantes e estudiosos de todos os tipos e de qualquer idade têm em mira apenas a informação, não a instrução. Sua honra é baseada no fato de terem informações sobre tudo, sobre todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e o conjunto de todos os livros. (p. 8)
Assim como as atividades de ler e aprender, quando em excesso, são prejudiciais ao pensamento próprio, as de escrever e ensinar em demasia também desacostumam os homens da clareza e profundidade do saber e da compreensão, uma vez que não lhes sobra tempo para obtê-los. (p. 9)
[…] só chegará a elaborar novas e grandes concepções fundamentais aquele que tenha suas próprias idéias como objetivo direto de seus estudos, sem se importar com as idéias dos outros. Entretanto os eruditos, em sua maioria, estudam exclusivamente com o objetivo de um dia poderem ensinar e escrever. (p. 9)
Não é possível alimentar os outros com restos não digeridos, mas só com o leite que se formou a partir do próprio sangue. (p. 9)
A peruca é o símbolo mais apropriado para o erudito puro. Trata-se de homens que adornam a cabeça com uma rica massa de cabelo alheio porque carecem de cabelos próprios. (p. 9)
Diletantes, diletantes ! — Assim os que exercem uma ciência ou uma arte por amor a ela, por alegria, per il loro diletto [pelo seu deleite], são chamados com desprezo por aqueles que se consagram a tais coisas com vistas ao que ganham, porque seu objeto dileto é o dinheiro que têm a receber. Esse desdém se baseia na sua convicção desprezível de que ninguém se dedicaria seriamente a um assunto se não fosse impelido pela necessidade, pela fome ou por uma avidez semelhante. (p. 10)
[…] só se dedicará a um assunto com toda a seriedade alguém que esteja envolvido de modo imediato e que se ocupe dele com amor, con amore. É sempre de tais pessoas, e não dos assalariados, que vêm as grandes descobertas. (p. 10)
Como Diderot já disse, em O sobrinho de Rameau, a pessoa que ensina a ciência não é a mesma que entende dela e a realiza com seriedade, pois a esta não sobra tempo para ensinar (p. 11)
Entre os professores e os eruditos independentes existe, desde muito tempo atrás, um certo antagonismo, que talvez possa ser esclarecido pela comparação com aquele que existe entre os cães e os lobos. (p. 13)
A maioria dos eruditos é muito superficial. Segue-se, cheia de esperanças, uma nova geração que não sabe nada e tem de aprender tudo desde o início (p. 13)
Assim, que desgraça seria para o saber humano se não houvesse escrita e imprensa ! As bibliotecas são a única memória permanente e segura da espécie humana, cujos membros particulares só possuem uma memória muito limitada e imperfeita. (p. 13)
[Das especialidades] […] as ciências adquiriram uma tal amplitude em suas dimensões, que alguém com a pretensão de realizar algum empreendimento científico deve se dedicar apenas a um campo muito específico, sem dar importância a todo o resto. Nesse caso, ele de fato se encontrará acima do vulgo em seu campo, no entanto será como qualquer pessoa em todos os outros. (p. 14)
Em geral, um erudito tão exclusivo de uma área é análogo ao operário que, ao longo de sua vida, não faz nada além de mover determinada alavanca, ou gancho, ou manivela, em determinado instrumento ou máquina, de modo a conquistar um inacreditável virtuosismo nessa atividade. (p. 14)
[…] a verdadeira formação para a humanidade exige universalidade e uma visão geral; (p. 14)
[…] quem quer se tornar um filósofo de verdade precisa reunir em sua cabeça as extremidades mais afastadas da vontade humana. (p. 14)
Espíritos de primeira categoria nunca se tornarão especialistas eruditos. (p. 14)
A abolição do latim como língua geral da erudição e, em contrapartida, a introdução do espírito pequeno-burguês nas literaturas nacionais foram um verdadeiro infortúnio para as ciências na Europa. (p. 14)
Nota do leitor: O argumento é que, com uma “língua comum”, os escritos eram mais apreciados, por mais gente. Com a fronteira linguística muitas obras caem no “provincianismo”.
Deve ser mencionado aqui, só de passagem, o fato de que o patriotismo, quando tem a pretensão de se fazer valer no reino das ciências, não passa de um acompanhante indecente, do qual é preciso se livrar. (p. 16)
Nota do leitor: O intelectual e o homem de ciência deve ser universal.
Pensar por si mesmo
Só é possível pensar com profundidade sobre o que se sabe, por isso se deve aprender algo; mas também só se sabe aquilo sobre o que se pensou com profundidade. (p. 18)
[…] podemos nos dedicar de modo arbitrário à leitura e ao aprendizado; ao pensamento, por outro lado, não é possível se dedicar arbitrariamente. […] precisa ser ocupado por algum interesse nos assuntos para os quais se volta; mas esse interesse pode ser puramente objetivo ou puramente subjetivo. Este último se refere apenas às coisas que nos concernem pessoalmente, enquanto o interesse objetivo só existe nas cabeças que pensam por natureza, nas mentes para as quais o pensamento é algo tão natural quanto a respiração. Mas mentes assim são muito raras, por isso não se encontram muitas delas em meio aos eruditos. (p. 18)
[…] quando alguém pensa por si mesmo, segue seu mais próprio impulso, tal como está determinado no momento, seja pelo ambiente que o cerca, seja por alguma lembrança próxima. No caso das circunstâncias perceptíveis, não há uma imposição ao espírito de um determinado pensamento, como ocorre na leitura (p. 19)
Nota do leitor: O textos são ótimos para dar matéria e ensejo para o pensamento, mas já trazem um pensamento organizado e estruturado, que deve, pelo bom pensador, ser expandido, reestruturado, reorganizado e contextualizado.
Desse modo, o excesso de leitura tira do espírito toda a elasticidade, da mesma maneira que uma pressão contínua tira a elasticidade de uma mola. (p. 18)
No fundo, apenas os pensamentos próprios são verdadeiros e têm vida, pois somente eles são entendidos de modo autêntico e completo. Pensamentos alheios, lidos, são como as sobras da refeição de outra pessoa, ou como as roupas deixadas por um hóspede na casa. (p. 19)
A leitura não passa de um substituto do pensamento próprio. Trata-se de um modo de deixar que seus pensamentos sejam conduzidos em andadeiras por outra pessoa. (p. 19)
[…] muitos livros servem apenas para mostrar quantos caminhos falsos existem e como uma pessoa pode ser extraviada se resolver segui-los. (p. 20)
A relação existente entre um pensador de força própria e o típico filósofo livresco é semelhante à relação de uma testemunha direta com um historiador (p. 22)
Mais do que tudo, deve-se evitar o perigo de perder completamente a visão do mundo real por causa da leitura, uma vez que o estímulo e a disposição para o pensamento próprio se encontram com muito mais freqüência nessa visão do que na leitura. (p. 23)
[…] não nos espantará o fato de aquele que pensa por si mesmo e o filósofo livresco serem facilmente reconhecíveis já pela maneira como expõem suas idéias. O primeiro, pela marca da seriedade, do caráter direto e da originalidade, pela autenticidade de todos os seus pensamentos e expressões; o segundo, em comparação, pelo fato de que tudo nele é de segunda mão. (p. 23)
[…] como a leitura, a mera experiência não pode substituir o pensamento. A pura empiria está para o pensamento como o ato de comer está para a digestão e a assimilação. Quando a experiência se vangloria de que somente ela, por meio de suas descobertas, fez progredir o saber humano, é como se a boca quisesse se gabar por sustentar sozinha a existência do corpo. (p. 23)
[…] as pessoas ficam realmente felizes quando podem recorrer não ao seu entendimento e à sua inteligência próprios, de que carecem, mas ao entendimento e à inteligência dos outros. (p. 24)
Nota do leitor: Há pessoas que vivem em busca de pensamentos já prontos de autoridades, “gurus” intelectuais.
A presença de um pensamento é como a presença de quem se ama. Achamos que nunca esqueceremos esse pensamento e que nunca seremos indiferentes à nossa amada. (p. 25)
O mais belo pensamento corre o perigo de ser irremediavelmente esquecido quando não é escrito, assim como a amada pode nos abandonar se não nos casamos com ela. (p. 25)
Sobre a escrita e o estilo
[…] há dois tipos de escritores: aqueles que escrevem em função do assunto e os que escrevem por escrever. Os primeiros tiveram pensamentos, ou fizeram experiências, que lhes parecem dignos de ser comunicados; os outros precisam de dinheiro e por isso escrevem, só por dinheiro. (p. 27)
Nota do leitor: O escritor com interesses financeiros busca preencher o máximo de páginas possível, mesmo podendo escrever o pensamento com menos palavras e mais clareza.
[…] há três tipos de autores: em primeiro lugar, aqueles que escrevem sem pensar. Escrevem a partir da memória, de reminiscências, ou diretamente a partir de livros alheios. Essa classe é a mais numerosa. Em segundo lugar, há os que pensam enquanto escrevem. Eles pensam justamente para escrever. São bastante numerosos. Em terceiro lugar, há os que pensaram antes de se pôr a escrever. Escrevem apenas porque pensaram. São raros. (p. 28)
[…] mesmo entre os escritores pouco numerosos que realmente pensam a sério antes de escrever, é extremamente reduzida a quantidade daqueles que pensam sobre as próprias coisas, enquanto os demais pensam apenas sobre livros, sobre o que outros disseram. Ou seja, para pensar, eles precisam de um forte estímulo de pensamentos alheios já disponíveis. (p. 28)
[…] aqueles que são estimulados pelas próprias coisas têm seu pensamento voltado para elas de modo direto. Apenas entre eles encontram-se os que permanecerão e serão imortalizados. (p. 28)
Apenas aqueles que, ao escrever, tiram a matéria diretamente de suas cabeças são dignos de serem lidos. (p. 28)
Não há nenhum erro maior do que o de acreditar que a última palavra dita é sempre a mais correta, que algo escrito mais recentemente constitui um aprimoramento do que foi escrito antes, que toda mudança é um progresso. (p. 29)
[…] o curso da ciência muitas vezes é um retrocesso. (p. 30)
Sempre que possível, é melhor ler os verdadeiros autores, os fundadores e descobridores das coisas, ou pelo menos os grandes e reconhecidos mestres da área. (p. 30)
[…] o novo raramente é bom, porque o que é bom só é novo por pouco tempo. (p. 30)
[ Do título dos livros] O que o endereço do destinatário é para uma carta, o título deve ser para um livro, ou seja, o principal objetivo é encaminhá-lo à parcela do público para a qual seu conteúdo possa ser interessante. (p. 30)
Nota do leitor: Para o autor, os títulos não devem ser longos, prolixos e vagos. Devem ser breves e certeiros.
[…] os piores são os títulos roubados, isto é, aqueles que já pertencem a um outro livro (p. 30)
Quem não é suficientemente original para dar a seu livro um título novo será ainda menos capaz de provê-lo de um novo conteúdo. (p. 30)
[…] o público dirige sua atenção muito mais para a matéria do que para a forma, e justamente por isso permanece atrasado em sua formação mais elevada. (p. 32)
Nota do leitor: A matéria é mais descritiva, direta, sem muita beleza. A forma é mais elevada, mais artística.
[…] as pessoas lêem mais obras sobre Goethe do que obras de Goethe, preferem estudar a lenda do Fausto em vez de estudar o Fausto. (p. 32)
Nota do leitor: Por falta de uma formação mais elevada, as pessoas evitam obras mais poéticas, preferindo algo material, direto, ignorando a forma.
A busca de repercussão por meio da matéria, cedendo a essa tendência desfavorável, torna-se absolutamente censurável nas áreas em que o mérito deve se basear expressamente na forma, como é o caso das obras poéticas. (p. 32)
O criador de uma dessas obras imortais, ou seja, aquele que pretende continuar vivendo na posteridade, não pode ser uma pessoa que procura seus iguais apenas entre os contemporâneos, na vastidão da Terra, e que se destaca de todas as outras pessoas de modo notável. Tem de ser alguém que, mesmo se atravessasse várias gerações, como o judeu eterno, encontrar-se-ia na mesma situação; em resumo, alguém a quem se pudesse aplicar realmente o dito de Ariosto: lo fece natura, e poi ruppe lo stampo [a natureza o fez, depois perdeu o molde] (p. 34)
Nota do leitor: A citação é do Orlando Furioso, X, 84, do poeta italiano Ludovico Ariosto (1474-1533).
As revistas literárias deveriam ser o dique contra a crescente enxurrada de livros ruins e inúteis e contra o inescrupuloso desperdício de tinta de nosso tempo. (p. 34)
Nota do leitor: Para o autor, as revistas ajudaram a manter a mediocridade, aceitando subornos, modismos e elogios falsos para agradar alguns.
É sempre um erro querer transferir para a literatura a tolerância que, na sociedade, é preciso ter com as pessoas estúpidas e descerebradas que se encontram por todo lado. (p. 35)
Se nada parece ruim a alguém, também nada lhe parece bom. (p. 35)
Imitar o estilo alheio significa usar uma máscara. Por mais bela que esta seja, torna-se pouco depois insípida e insuportável porque não tem vida, de modo que mesmo o rosto vivo mais feio é melhor do que ela. (p. 39)
Nota do leitor: A imitação do estilo é própria do aprendizado, mas deve-se evitá-la ao decorrer da carreira.
A afetação no estilo é comparável às caretas que deformam o rosto. (p. 39)
Devemos descobrir os erros estilísticos nos escritos dos outros para evitá-los nos nossos. (p. 39)
Também vemos todo pensador autêntico se esforçar para dar a seus pensamentos a expressão mais pura, clara, segura e concisa possível. Conseqüentemente, a simplicidade sempre foi uma marca não só da verdade, mas também do gênio. (p. 41)
É do pensamento que o estilo recebe a beleza, e não o contrário. (p. 41)
Nota do leitor: Como disse Horácio em sua Arte Poética: o saber é o princípio e a fonte para se escrever bem.
Assim, a primeira regra do bom estilo, uma regra que praticamente se basta sozinha, é que se tenha algo a dizer. (p. 42)
Quem tem algo digno de menção a ser dito não precisa ocultá-lo em expressões cheias de preciosismos, em frases difíceis e alusões obscuras, mas pode se expressar de modo simples, claro e ingênuo, estando certo com isso de que suas palavras não perderão o efeito. Assim, quem precisa usar os artifícios mencionados antes revela sua pobreza de pensamentos, de espírito e de conhecimento. (p. 42)
Seria proveitoso que os escritores alemães chegassem à conclusão de que, embora de fato se deva pensar como um grande espírito, sempre que possível deve-se falar a mesma linguagem das outras pessoas. Palavras ordinárias são usadas para dizer coisas extraordinárias; mas eles fazem o contrário. (p. 44)
Nota do leitor: O uso faz a linguagem, diria Horácio. Para o poeta, palavras vão e vêm como folhas, algumas caem e outras nascem. Evitar o uso de palavras “difíceis” seria declarar aos poucos a “morte” de tais palavras? Deveria mesmo um escritor, sobretudo um poeta, evitar palavras consideradas difíceis?
Quando se associa ao preciosismo, esse estilo é, nos livros, o que a solenidade fingida, a falsa fidalguia e o preciosismo são no trato social: algo insuportável. A pobreza de espírito gosta de usar tal roupagem, da mesma maneira que, na vida, a burrice se disfarça com a solenidade e a formalidade. (p. 45)
Em todo caso, é um esforço vão querer escrever exatamente como se fala. Em vez disso, todos os estilos de escrita devem conservar um certo vestígio do parentesco com o estilo lapidar que é seu precursor. Querer escrever como se fala é tão condenável quanto o contrário, ou seja, querer falar como se escreve, o que resulta num modo de falar pedante e ao mesmo tempo difícil de entender. (p. 45)
Nota do leitor: Como aconselha Aristóteles em sua Sobre a Arte Poética: não ser nem muito misterioso nas palavras nem tão vulgar.
É preciso ser econômico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber dele o crédito de considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar o esforço empregado nela. (p. 46)
[…] assim como é preciso evitar uma sobrecarga de ornamentações na arquitetura, nas artes discursivas é preciso evitar sobretudo os floreios retóricos desnecessários, todas as amplificações inúteis e, acima de tudo, o que há de supérfluo na expressão, dedicando-se a um estilo casto. (p. 47)
A lei da simplicidade e da ingenuidade, já que essas qualidades combinam com o que há de mais sublime, vale para todas as belas-artes. (p. 47)
Hoje em dia, neste estágio de decadência da literatura e de desprezo pelas línguas antigas, um erro de estilo que se torna cada vez mais comum […] é a sua subjetividade. Ela consiste no fato de que basta ao escritor saber o que ele quer e pretende dizer; o leitor que se arranje para acompanhá-lo. (p. 54)
Poucos escrevem como um arquiteto constrói: primeiro esboçando o projeto e considerando-o detalhadamente. A maioria escreve da mesma maneira com que jogamos dominó. Nesse jogo, às vezes segundo uma intenção, às vezes por mero acaso, uma peça se encaixa na outra, e o mesmo se dá com o encadeamento e a conexão de suas frases. (p. 56)
[…] vai contra todo bom senso atravessar um pensamento com outro, como quando se faz uma cruz de madeira. Todavia, isso acontece à medida que alguém interrompe o que tem a dizer para incluir algo totalmente diferente (p. 58)
[Das comparações, parábolas e alegorias:] Comparações são de grande valor, uma vez que remetem uma relação desconhecida a uma conhecida. Também as comparações mais detalhadas, que evoluem para parábolas ou alegorias, são apenas a referência de alguma relação à sua apresentação mais simples, explícita e palpável. No fundo, toda formação de conceitos se baseia em comparações, já que seu ponto de partida é a compreensão da semelhança e o abandono da dessemelhança nas coisas. (p. 59)
Em conformidade com isso, Aristóteles diz: […] O mais importante é encontrar metáforas, pois é a única coisa que não se pode aprender de outros e é um sinal de uma natureza engenhosa. Para fazer metáforas é necessário reconhecer a igualdade. Poética, XXII.
Nota do leitor: Na tradução de Antônio Mattoso e Antônio Queirós Campos: “o bem metaforizar é a contemplação da semelhança”.
Sobre a leitura e os livros
[A ignorância no pobre e no rico] A ignorância degrada os homens somente quando se encontra associada à riqueza. O pobre é sujeitado por sua pobreza e necessidade; no seu caso, os trabalhos substituem o saber e ocupam o pensamento. Em contrapartida, os ricos que são ignorantes vivem apenas em função de seus prazeres e se assemelham ao gado, como se pode verificar diariamente. Além disso, ainda devem ser repreendidos por não usarem sua riqueza e ócio para aquilo que lhes conferiria o maior valor. (p. 63)
[Leitura X pensamento] Quando lemos, outra pessoa pensa por nós (p. 63)
Quando lemos, somos dispensados em grande parte do trabalho de pensar. (p. 63)
Em conseqüência disso, quem lê muito e quase o dia todo, mas nos intervalos passa o tempo sem pensar nada, perde gradativamente a capacidade de pensar por si mesmo – como alguém que, de tanto cavalgar, acabasse desaprendendo a andar. (p. 63)
[Aprendendo o estilo próprio] Nenhuma qualidade literária pode ser adquirida pelo simples fato de lermos escritores que possuem tal qualidade. Contudo, se já as possuímos in potentia, podemos evocá-las, trazê-las à nossa consciência, podemos ver o uso que é possível fazer delas, podemos ser fortalecidos na inclinação, na disposição para usá-las, podemos julgar o efeito de sua aplicação em exemplos e, assim, aprender a maneira correta de usá-las (p. 64)
Essa é a única maneira de a leitura ensinar a escrever, na medida em que ela nos mostra o uso que podemos fazer de nossos próprios dons naturais (p. 64)
Nove décimos de toda a nossa literatura atual não têm nenhum outro objetivo a não ser tirar alguns trocados do bolso do público: para isso, o autor, o editor e o crítico literário compactuam. (p. 65)
Para ler o que é bom uma condição é não ler o que é ruim, pois a vida é curta, o tempo e a energia são limitados. (p. 66)
[Da memória das leituras] Exigir que alguém tivesse guardado tudo aquilo que já leu é o mesmo que exigir que ele ainda carregasse tudo aquilo que já comeu. Ele viveu do alimento corporalmente e do que leu, espiritualmente, e foi assim que se tornou o que é. Mas, da mesma maneira que o corpo assimila o que lhe é homogêneo, o espírito guarda o que lhe interessa, ou seja, o que diz respeito a seu sistema de pensamentos ou o que se adapta a suas finalidades. (p. 67)
[Sobre reler obras] Repetitio est mater studiorum [A repetição é a mãe do estudo]. Cada livro importante deve ser lido, de imediato, duas vezes, em parte porque as coisas são melhor compreendidas na segunda vez, em seu contexto, e o início é entendido corretamente quando se conhece o final; em parte porque, na segunda vez, cada passagem é acompanhada com outra disposição e com outro humor, diferentes dos da primeira, de modo que a impressão se altera, como quando um objeto é observado sob uma luz diversa. (p. 68)
As obras são a quintessência de um espírito: […] Até os escritos de uma cabeça mediana podem ser instrutivos, divertidos e dignos de leitura, exatamente porque são a quintessência […] Isso explica por que é possível ler livros de pessoas em cuja companhia não encontraríamos nenhuma satisfação, e também é por esse motivo que a cultura espiritual elevada nos leva gradativamente a encontrar prazer apenas nos livros, não mais nos homens. (p. 68)
Não há nenhum conforto maior para o espírito do que a leitura dos clássicos antigos: logo que uma pessoa tem em mãos qualquer um deles, mesmo que seja por meia hora, sente-se imediatamente renovado, aliviado, purificado, elevado e fortalecido; é como se tivesse bebido de uma fonte de água fresca em meio aos rochedos. (p. 68)
Sobre a linguagem e as palavras
A voz dos animais serve unicamente para expressar a vontade, em suas excitações e movimentos, mas a voz humana também serve para expressar o conhecimento. (p. 72)
A palavra dos homens é o material mais duradouro. Se um poeta deu corpo à sua sensação passageira com as palavras mais apropriadas, aquela sensação vive através de séculos nessas palavras e é despertada novamente em cada leitor receptivo. (p. 72)
Sabemos que, do ponto de vista gramatical, quanto mais antigas as línguas, mais perfeitas elas são, e pouco a pouco ocorre uma piora […] verificamos em toda parte que os descendentes se mantêm fiéis à língua de seus antepassados e introduzem, pouco a pouco, apenas pequenas alterações. Mas a experiência não ensina que, na sucessão das gerações, as línguas se aperfeiçoam do ponto de vista gramatical, e sim, como foi dito, justamente o oposto, ou seja, que elas se tornam cada vez piores e mais simples. […] talvez devêssemos supor que a vida da língua é igual à de uma planta que, a partir de uma semente simples, um rebento discreto, desenvolve-se pouco a pouco, alcança seu ponto culminante e então decai lentamente à medida que envelhece. (p. 72-73)
Poemas não podem ser traduzidos, mas apenas recriados poeticamente; e o resultado é sempre duvidoso. Mesmo na prosa as melhores traduções chegam, no máximo, a ter com o original uma relação semelhante à que se estabelece entre uma certa peça musical e sua transposição para outro tom. Aqueles que entendem de música sabem do que se trata. (p. 75)
Nota do leitor: Schopenhauer argumenta aqui sobre as diversas línguas, tendo cada uma seus conceitos muito próprios. Para o autor, aprender uma língua estrangeira não é um processo indireto de formação, mas direto. Ele evoca a máxima de Carlos V: “Quantas línguas alguém fala, tantas vezes ele é um homem”.
[…] quando alguém aprende uma língua estrangeira, precisa delimitar várias esferas inteiramente novas de conceitos em seu espírito, desse modo surgem esferas de conceitos onde antes não havia nenhuma. Portanto, não aprendemos palavras apenas, mas adquirimos conceitos. É esse o caso sobretudo no aprendizado das línguas antigas, porque o modo de expressão dos antigos difere muito do nosso, e essa diferença é bem maior do que a existente entre duas línguas modernas. (p. 75)
Pessoas pouco capazes também não assimilarão com facilidade uma língua estrangeira: elas chegam a aprender as palavras da língua, no entanto sempre as empregam no sentido do equivalente aproximado que existe em sua língua materna e só decoram as locuções e frases características desta. (p. 76)
[…] a imitação do estilo dos antigos em suas próprias línguas, que ultrapassam de longe as nossas em termos de perfeição gramatical, é o melhor meio de se preparar para uma expressão ágil e perfeita dos pensamentos na língua materna. Para alguém se tornar um grande escritor isso é indispensável, da mesma maneira que, para os pintores e escultores principiantes, é necessário formar-se imitando o modelo da Antigüidade, antes de passar a uma composição própria. (p. 77)
[Do saber latim] A pessoa que não sabe latim é semelhante àquela que se encontra numa bela região em tempo nublado: seu horizonte é extremamente limitado, ela só vê com clareza o que está próximo, e tudo o que se encontra poucos passos além se perde no indeterminado. (p. 77)
Nota do leitor: Para o autor, saber ler em latim amplia de modo muito mais preciso todo o cabedal de obras da idade média e antiguidade. Saber grego ampliaria ainda mais a capacidade de compreender os espíritos das épocas passadas, pensando de modo semelhante, através do idioma, aos pensadores do passado.
É correto, e mesmo necessário, que a provisão de palavras de uma língua seja aumentada no mesmo passo em que aumentam os conceitos. Em contrapartida, se aquilo acontece sem isso, trata-se apenas de um sinal da pobreza de espírito de quem gostaria de levar alguma coisa para o mercado e no entanto, como não tem nenhum pensamento novo, vem com novas palavras. Essa maneira de enriquecer a língua está agora na ordem do dia e é um sinal dos tempos. Mas novas palavras para velhos conceitos são como uma nova cor aplicada a uma velha roupa. (p. 79)
As consoantes são o esqueleto, e as vogais, a carne das palavras. O esqueleto é (no indivíduo) inalterável, e a carne, muito mutável, em termos de cor, qualidade e quantidade. Com isso, as palavras conservam, à medida que são modificadas pelos séculos ou passam de uma língua para outra, o conjunto de suas consoantes, mas suas vogais se alteram com facilidade; é por esse motivo que, na etimologia, deve-se atentar muito mais para aquelas do que para essas. (p. 81)
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