Fichamentos e Resenhas

A Arte de Ler — Mortimer J. Adler

Mortimer Jerome Adler (Nova Iorque, 28 de dezembro de 1902 — Palo Alto, 28 de junho de 2001) foi um filósofo americano, educador e autor popular. Como filósofo, ele trabalhou dentro das tradições aristotélica e tomista. Ele viveu por longos períodos na cidade de Nova York, Chicago, São Francisco e San Mateo, Califórnia.[1] Trabalhou na Universidade de Columbia, na Universidade de Chicago, na Encyclopædia Britannica e no Instituto de Pesquisa Filosófica de Adler.

Considerações: A educação, de modo geral, está falida. Os alunos não dominam a língua materna como deveriam, não têm muitos avanços no vocabulário depois do ginásio (o que hoje chama-se de fundamental II), portanto, não conseguem se expressar bem e ler bem. Lendo mal, não conseguem aprender nada profundo, apenas reforçam as suas superficialidades.

Professores, que há tempos são formados em um sistema falido, não sabem identificar os problemas da educação de modo claro, e não sabem ensinar os alunos a arte de ler, ou seja, a arte de aprenderem a aprender.

A obra trada, de modo mais detido, da educação intelectual. Ressalta que a educação intelectual em si não é a educação como um todo, pois a mesma é ampla: educação moral, sentimental, saúde, do cuidado de si mesmo, etc.

O exercício, hábito, da boa leitura, de modo correto, é essencial para a liberdade de um povo, pois sendo homens livres, autossuficientes, coparticipantes das grandes obras e pensamentos, os homens são mais capazes de defenderem a própria liberdade, da nação, e identificar excessos do Estado ou de demagogos. Quando a educação “para todos” nivela o ensino e as habilidades por baixo, faz-se com que a “educação” recebida não seja o suficiente sequer para entender os processos democráticos de nosso país, tornando um engodo o argumento de que a educação é para criar cidadãos preparados para a democracia. Os jovens estão sendo formados em futilidades, perdendo grande quantidade de tempo em atividades secundárias, enquanto o Estado torna-se cada vez mais incompreendido pelas massas.

Segundo Adler, o esquecimento das artes liberais está deixando os estudantes escravos de “professores-vivos” incompetentes, pois são incapazes de aprenderem por si mesmos. O bom professor é aquele que ensina a aprender.

Das primeiras técnicas:

  • Achar as palavras importantes (ou principais) de um texto e entender qual é o sentido que o autor está dando a elas: o significado;
  • Descobrir as frases importantes e compreender seu significado;
  • Fazer anotações;
  • Ler sempre os índices dos livros para saber o caminho que será percorrido na leitura.

(Parte I)

Prefácio

[As leituras] Podem ornar de tal modo sua inteligência que a perspectiva das horas solitárias se apresenta menos triste. Nem têm que temer, quando estão com os outros, aquele som oco das conversações vazias.

E se não podemos interessar aos outros com nossa prosa, que companhia estúpida não seremos quando entregues a nós mesmos.

Todos sabem, espero, que a educação só foi iniciada e não se completou no ginásio ou no colégio.

O título mostra que trato, principalmente, da leitura de livros. Mas esta arte que descrevo aplica-se a qualquer espécie de comunicação.

Numa democracia, temos que estabelecer as responsabilidades dos homens livres. A educação liberal é um meio indispensável para tal fim. Não só nos torna homens, ao cultivar-nos a mente, mas também a liberta, pela disciplina. Sem uma mentalidade livre, não podemos agir como homens livres.

CAPÍTULO I: Para o leitor médio

Este é um livro para leitores que não sabem ler.

Há várias espécies de leitura e vários graus de habilidade em ler.

É tendência nossa considerar a leitura tão simples como ver ou andar. E ver ou andar não são artes.

Nota do leitor: Se com “arte” quer o autor usar o sentido grego de “técnica”, ver ou andar seriam sim “artes”, considerando que podemos ver (no sentido de percepção) melhor ou pior (como ler) ou andar de modo correto ou não, como aponta Cícero em Os Deveres.

Não há quem faça vocês aprenderem uma arte mais do que queiram ou julguem necessário.

Com os colégios assim como são, o remédio não é a intensificação do ensino.

Se sei mais que alguém, posso ajudá-lo um pouco.

Se considerarmos os homens e mulheres de um modo geral e à parte de suas profissões ou ocupações, há uma situação em que eles dão o máximo de si mesmos, esforçando-se por ler melhor do que o fazem habitualmente. Quando estão amando e recebem uma carta de amor, mostram de que são capazes. Lêem cada palavra três vezes, lêem nas entrelinhas e nas margens; lêem o todo em função das partes e cada parte em função do todo; sensíveis ao contexto e à ambigüidade, a insinuação e às referências, percebem a cor das palavras a o cheiro das frases e o peso das sentenças. Talvez levem em conta até a pontuação. Lêem então; como não o terão feito nem antes, nem depois.

CAPÍTULO II: A leitura de “leitura”

Uma das principais regras para se ler qualquer coisa é destacar as palavras mais importantes que o autor emprega.

Achar uma palavra importante é apenas o começo […]

Daqui por diante, portanto, deve-se ler a palavra “leitura” como ela é usada neste texto, isto é, o processo de interpretar ou compreender o que representa para os sentidos, na forma de palavras ou outras marcas sensíveis.

Nota do leitor: Não sobre ler instrumentos, mãos, estrelas, etc.

[…] temos de aprender a ler, para aprender, lendo.

Dizemos que um homem lê melhor do que outro quando pode ler um assunto mais difícil.

Para se compreender por que uns livros são mais difíceis do que outros, temos de saber o que eles exigem da habilidade do leitor.

[…] quanto mais difícil é um livro, tanto menos leitores terá em qualquer época.

[…] à medida em que se sobe na escala da perfeição numa habilidade, o número de peritos diminui: quanto mais alto se está, mais raros são eles.

[…] toda leitura é ativa. A que achamos passiva é, simplesmente, a menos ativa. A leitura é melhor ou pior, conforme seja mais ou menos ativa. E um leitor é melhor do que outro, se desempenha mais atividade lendo.

[…] no sentido estrito, não há leitura passiva. Ela só parece assim, em oposição à leitura mais ativa.

Agora, podemos definir o segundo critério para julgar a habilidade em ler. Dado um mesmo livro, um homem o lê melhor do que outro: primeiro. Porque o lê mais ativamente; segundo, porque chega a um melhor resultado.

Mas há também diferença no que se lê e no modo de se ler. Não se pode adquirir muita instrução com as histórias em quadrinhos, ou muita elevação intelectual com um almanaque.

O que se entende sem esforço, como revistas e jornais, exige um mínimo de leitura. E muito pouca arte. Pode-se ler de um modo relativamente passivo.

O que para um homem não é esforço ou é um esforço muito pequeno, é, para outro, uma tremenda dificuldade.

A questão é que, para cada indivíduo, existem duas espécies de leitura: de um lado, a que ele faz sem esforço, para se informar — e ela só lhe transmite o que ele pode compreender imediatamente: de outro, alguma coisa que lhe É superior, no sentido em que desafia sua compreensão.

[…] a arte da leitura — a capacidade de se esforçar.

[Os dois tipos de leitura:] A primeira se refere à leitura de jornais, revistas ou outra qualquer coisa que é logo compreensível, levando em conta nossas habilidades e aptidões. Pode aumentar nosso cabedal de conhecimentos, mas não melhora nossa compreensão, que não se alterou, desde que principiamos. Se não fosse assim, sentiríamos o embaraço e a confusão de termos ultrapassado nossa capacidade — isto se estivéssemos com o espírito alerta e honesto. A segunda acepção se refere a leitura de alguma coisa que, ao primeiro olhar, não se compreendeu perfeitamente. Aqui, a leitura a ser feita é, a princípio, melhor do que quem a faz. O escritor está comunicando alguma coisa que pode aumentar a compreensão do leitor. Tal comunicação entre pessoas desiguais deve se realizar, ou, então, ninguém aprenderia com outrem, fosse pela palavra ou pela escrita. Por “aprender”, entendo compreender mais e, não, adquirir mais conhecimentos, do mesmo grau de inteligibilidade de outros que já se possuem.

O escritor tem de estar acima do leitor e seu livro deve fazer passar em forma legível os conhecimentos que ele possui e seus leitores não.

Resumindo: podemos aprender com os que não são melhores do que nós.

CAPÍTULO III: Ler é aprender

Uma das normas da leitura, como se viu, é achar e interpretar as principais palavras de um livro. Há outra que lhe é intimamente relacionada: descobrir as frases importantes e compreender seu significado.

Embora haja conhecimento em toda habilidade, ter uma habilidade é ter alguma coisa mais que conhecimento. A pessoa hábil não somente sabe alguma coisa, mas pode fazê-la;

Ler é aprender, unicamente no sentido de adquirir conhecimento, e, não, habilidade.

Até aqui, tudo bem. Temos de voltar agora à diferença que existe entre ler para aprender e ler para compreender: No capitulo precedente, mostrei que a última espécie de leitura deve ser muito mais ativa e que implica num determinado modo de sentir.

Tanto a informação, quanto a compreensão, são, num certo sentido, conhecimentos. Adquirir mais informações é aprender, e aprender É chegar a compreender o que não se tinha compreendido antes. Qual é a diferença, então? Ser informado é, simplesmente, saber que determinada coisa existe. Ser esclarecido é saber, além disso, de que se trata: por que tal coisa acontece, que relações têm com outros fatos, sob que aspectos são iguais ou diferentes, e assim por diante.

Quando lemos por erudição, aprendemos fatos. Quando lemos para compreender, aprendemos o significado deles, também.

Se o escritor não compreende mais do que nós, ou se, em determinada passagem, não faz esforço algum para explicar, seremos, no máximo, informados por ele, nunca esclarecidos. Mas se o autor tem uma idéia que nós não temos e, mais, se procura transportá-la para o papel — estaremos desprezando sua dádiva, se não procurarmos lê-lo de um modo diferente do que lemos jornais ou revistas.

Na verdade, qualquer coisa pode ser lida tanto por erudição, quanto para compreensão. Pode-se ter em vista o que o autor disse e o que ele quis dizer. De um certo modo, ser informado é condição primeira para ser esclarecido.

É tão inútil ler um livro só por erudição, quanto usar uma caneta-tinteiro para espetar um verme. Montaigne falava “de uma ignorância analfabeta que precede o conhecimento e de uma ignorância doutoral que lhe sucede”. A primeira é a dos que não lêem, porque não sabem o ABC. A outra é a dos que leram mal muitos livros.

Não foi só o pessimista e misantropo Schopenhauer que investiu contra o excesso de leitura, por achar que, na grande maioria, os homens lêem passivamente e se saturam com doses tóxicas de erudição não-assimilada. Bacon e Hobbes pensavam assim também.

Nota do leitor: Otto Maria Carpeaux também: “Os homens não sabem ler. Aplicam a um poema o mesmo processo errado que aplicam a anúncios de jornal ou a notícias de propaganda política: contentam-se com o sentido superficial das palavras, sem explorar a intenção daquele que fala” — Otto Maria Carpeaux

A descoberta está para a instrução, assim como aprender sem professor está para aprender com sua ajuda.

Não há aprendizado passivo, assim como não há leitura inteiramente passiva.

Quando, no entanto, o aluno trabalha sem auxílio de professor, o processo do aprendizado se realiza mais na natureza do que no livro. As regras que governam tal aprendizado constituem a arte da descoberta.

Em rigor, pensa-se menos quando se lê por erudição do que quando se procura descobrir alguma coisa. Porque a leitura, aí, é menos ativa.

O pensamento é apenas um setor da atividade de aprender. Deve-se usar também os sentidos e a imaginação.

A arte de ler, em síntese, compreende as mesmas habilidades que constituem a arte da descoberta: agudeza de observação, memória pronta, fertilidade de imaginação e, por certo, uma inteligência habituada à análise e à reflexão.

Enquanto for verdade que ler é aprender, será também verdade que ler é pensar. Uma noção exata da arte de pensar só pode ser dada com uma análise completa da leitura e da pesquisa.

Duvido que alguém que não saiba ler bem, consiga escrever bem. Duvido que seja capaz de ensinar, quem não possui a arte de se instruir.

Quaisquer que sejam as suas causas, o efeito desses erros na educação americana é por demais patente. Deve-se levar em conta o abandono quase total da leitura inteligente pelo sistema escolar em fora. Perde-se muito mais tempo em habilitar os alunos a fazerem descobertas sozinhos, do que em habilitá-los a aprender com os outros. Não há vantagem nenhuma em gastar energia para descobrir o que já foi descoberto.

As gerações humanas não precisam aprender tudo por si como se, antes, nada se tivesse aprendido.

Nota do leitor: Crítica semelhante da Hannah Arendt em A Crise na Educação. O que define a educação para Arendt é a introdução daqueles que são novos num mundo que é velho: “O mundo em que as crianças estão a ser introduzidas, mesmo na América, é um mundo velho, quer dizer, um mundo pré-existente, construído pelos vivos e pelos mortos, um mundo que só é novo para aqueles que nele entraram recentemente pela emigração”

[…] não adianta que nossos antecessores nos dirijam a palavra, se não sabemos ouvi-los.

Ouvir uma série de aulas é, a muitos respeitos, o mesmo que ler um livro.

[…] ouvir é aprender com um professor-vivo, enquanto que ler é aprender com um morto, ou com alguém que não está presente, a não ser através de seus escritos. Se vocês fizerem uma pergunta a um professor-vivo, ele pode respondê-la realmente. Se ficarem intrigados com o que disse, não precisam pensar. Basta perguntar-lhe o que significa isso. Se, no entanto, fizerem uma pergunta a um livro, quem tem de responder são vocês.

[…] um livro é como a natureza. Quando falam com ele, a resposta só vem na medida em que vocês mesmos realizam o trabalho de pensar e analisar.

CAPÍTULO IV: Professores-mortos e professores-vivos

O ensino é o processo pelo qual um homem aprende com outro, através da comunicação. A instrução difere, assim, da descoberta, que é o processo pelo qual o homem aprende por si mesmo, observando e pensando na vida, e, não, recebendo comunicação de outros homens.

[…] o livro que nos ensina alguma coisa pode ser chamado de “professor”.

Para maior clareza, chamarei ao professor que fala de “professor-vivo”. Pois é um ser humano, com o qual temos um certo contato pessoal. E chamarei aos livros de “professores-mortos”.

Esteja morto ou não o autor, o livro é uma coisa inerte. Não conversa conosco, nem responde às perguntas que lhe fazemos. Não cresce, nem muda de pensar. É uma forma de comunicação, mas não podemos falar com ele, como falamos com nossos professores-vivos, ao transmitir-lhes alguma coisa.

Um professor-vivo pode nos auxiliar na aquisição de qualquer arte, mesmo das artes do aprendizado, como a pesquisa experimental ou a leitura. Ajudando assim, a comunicação é maior do que se pensa.

Não há dúvida de que um professor-vivo é mais útil do que um morto.

[…] podemos considerar o professor como alguém que transmite o conhecimento, ou nos ajuda a aprender, pela comunicação.

Como fonte de conhecimento, o professor-vivo compete ou coopera com os professores-mortos, isto é, com os livros.

[…] há coisas que ele ensina ao aluno, trocando em miúdos o que leu, há outras que ele espera que o aluno aprenda, pela leitura.

Era preciso ler muito mais, se os livros fossem os únicos professores. Mas, uma vez que o professor-vivo não tem conhecimento algum a transmitir, a não ser o que aprende nos livros, podemos recorrer diretamente a estes. Saberemos tanto quanto eles, se lermos igualmente bem.

O professor-vivo de hoje é mais um homem de saber, do que um descobridor.

Nota do leitor: Os professores de outrora, com pouco acesso a escritos, tinham de descobrir muitas coisas sozinhos.

Quanto à transmissão de conhecimentos, a única justificativa para os professores-vivos e de ordem prática. O corpo sendo fraco, segue o caminho mais fácil.

[…] a originalidade completa é impossível e inútil de tentar. É impossível, a não ser no início hipotético de nossa tradição cultural.

A melhor originalidade é, sem dúvida, aquela que acrescenta alguma coisa ao cabedal de conhecimentos, capazes de serem utilizados pelo ensino tradicional.

Nota do leitor: O desprezo pela tradição é apenas falsidade, não originalidade.

Os grandes livros de qualquer especialidade são, num bom sentido da palavra, comunicações “originais”. São os livros usualmente considerados “clássicos”,

Escrevem-se, hoje, livros célebres, como ontem e há muito tempo atrás.

Só depois de lerem convenientemente os livros célebres, terão uma noção exata dos padrões pelos quais os outros livros podem ser julgados.

Os grandes livros são iguais as vulgarizações, porque, na maioria, foram escritos para o comum dos homens e, não, para pedantes ou estudiosos. São também iguais aos compêndios, porque se destinam a principiantes, e, não, a especialistas ou alunos adiantados.

Diferentemente dos compêndios e vulgarizações, os grandes livros têm, como leitores pessoas capazes de ler com perfeição. Esta é uma de suas principais características e a razão por que são tão pouco lidos, hoje em dia.

Um compêndio ou manual quase que pode ser definido como uma invenção pedagógica para meter “qualquer coisa” nas cabeças dos que não sabem ler bastante bem, para aprender mais ativamente.

Só podemos aprender com os que nos são intelectualmente superiores. Os grandes livros são superiores a muitos professores-vivos e a seus alunos, também.

Quem procura o atalho mais curto, vai acabar num paraíso de idiotas — com uma imbecilidade ignorantemente culta e um eterno pedantismo. Afirmo, ao mesmo tempo, que os grandes livros podem ser lidos por qualquer homem.

CAPÍTULO V: “A falência das escolas”

Se as escolas estivessem cumprindo seu dever, este livro era inútil.

Para muita gente, escrever e falar são muito mais atividades do que ler. Enquanto associarmos habilidade com atividade — será uma conseqüência natural desse erro atribuir a falta de técnica os de- feitos do falar e do escrever e supor que o desacerto com que se lê deve-se a um defeito moral — falta de capacidade e, não, de habilidade.

[…] posso predizer que quem não sabe escrever direito, não sabe também ler direito.

Por mais difícil que seja, ler e sempre mais fácil do que escrever e falar bem.

Quando os professores não possuem a arte de aprender, não podem ser bons.

Não tem propósito falar que os estudantes e os doutores sejam capazes de ler os livros célebres, quando nem conseguem ler os bons livros científicos que se editam todos os anos.

O indivíduo normal tem de ser educado. Foi dotado com a capacidade de aprender a ler, mas não nasceu com a arte. Esta deve ser cultivada.

[…] o currículo e o programa de ensino, em geral, da escola primária ao colégio, está sobrecarregado demais, para permitir que se de uma suficiente atenção às habilidades básicas.

[…] muitos educadores não sabem ensinar a arte da leitura.

[O que são os 3 R:] […] três R às artes de ler, escrever e contar,

Em seu liberalismo falso, os educadores progressistas confundiram disciplina com regime, esquecendo-se de que não existe liberdade verdadeira sem que a inteligências tenha se libertado pela disciplina.

Uma inteligência disciplinada, baseada no poder do pensamento, é a que lê e escreve criticamente, e faz um trabalho eficiente de descoberta.

Acho que o aspecto mais perfeito da educação e o que dá realce à disciplina.

Os colégios só educam, se nos capacitam a continuar aprendendo sempre. A arte de ler e a técnica da pesquisa são os instrumentos primordiais do aprendizado, da erudição e da descoberta. Eis por que devem ser os objetivos principais de um bom sistema educacional.

[…] concordo com o professor Tenney de Cornell, que disse que se o colégio ensinasse os alunos a ler, colocaria nas mãos deles “o instrumento primeiro de toda a educação superior. Daí por diante, se o aluno quiser, pode educar-se por si mesmo.”

Este livro trata de leituras e não de tudo. O contexto devia, portanto, indicar que nos referimos, principalmente, à educação intelectual, e não à educação toda.

[Fala do Adler no programa Town Meeting:] “A escolha entre as virtudes intelectuais e morais é difícil; mas se eu tivesse que fazê-la, escolheria sempre as virtudes morais, porque as virtudes intelectuais sem as morais seriam mal utilizadas, como o são por todas as pessoas que têm conhecimentos e habilidades, mas não percebem as finalidades da vida.”

[…] o esquecimento dessas artes [Trivium] é, em grande parte, responsável por nossos defeitos em ler e em ensinar a ler aos alunos.

Quanto menos somos capazes de empregar inteligentemente as palavras, mais reprovamos, nos outros, sua linguagem ininteligível.

O fato de não serem geralmente praticadas as artes liberais, nem no colégio, nem fora dele, se revela por suas conseqüências: os alunos não aprendem a ler nem a escrever, e os professores não sabem como ajudá-los.

[…] a ciência é a maior preocupação da idade atual. Não somente a veneramos, por todos os confortos e utilidades que promove e por controlar a natureza, como ficamos cativados por seu método, como elixir da sabedoria. Não vou procurar provar (embora julgue ser verdade) que o método experimental não é a chave mágica das mansões do conhecimento.

Na idade da ciência, que, progressivamente, descobre coisas novas e aumenta nossos conhecimentos todos os dias, temos a tendência de pensar que o passado não nos pode ensinar nada.

Assim como vocês não podem se aperfeiçoar no tênis, se jogarem somente com adversários fáceis de bater, — não podem, também, aumentar sua habilidade em ler, a menos que se exercitem em alguma coisa que exija esforço e novos expedientes.

na proporção em que os grandes livros perderam seu lugar tradicional como fatores de aprendizado, tornou-se cada vez mais difícil ensinar os alunos a ler.

A reforma do ensino deve começar muito antes do nível colegial e ser aplicado nesse nível mesmo para que a arte de ler seja bem desenvolvida e o tipo de leitura adequado ao tempo em que se confere o grau de bacharel.

Não é tornando os livros menos livros, mas fazendo das pessoas melhores leitores, que a mudança pode se efetuar.

Devemos acabar com nossos tolos preconceitos sobre a Idade Média, e considerar os homens que escreveram exegeses das Escrituras, explicações de Justiniano, e comentários de Aristóteles, como os mais perfeitos modelos da arte de ler.

Mas, dirão, estamos vivendo numa era democrática. É mais importante que muitos homens saibam ler um pouco, do que poucos ler muito. Há alguma verdade nisso, mas não toda a verdade. A participação real nos processos democráticos de autodeterminação exige maior cultura, do que a que vem sendo dada à maioria.

Nossos alunos são alimentados com todas as espécies de preconceitos locais e papas mastigadas. Engordados assim, são como um trapo nas mãos dos demagogos. Sua resistência à autoridade superficial, que nada mais é do que a imposição de uma opinião, diminuiu. Eles chegarão até a acreditar na propaganda insidiosa dos cabeçalhos de certos jornais.

CAPÍTULO VI: “Da auto-suficiência”

Durante anos, observei o círculo vicioso que perpetua esse estado de coisas, e esforcei-me por saber como destruí-lo. Pareceu não haver esperança. Os professores de hoje foram educados pelos de ontem e educam os de amanhã.

Quem não se ajuda, não pode aprender a ler nem adquirir habilidades que com isso se relacionem.

Há mais coisas do que a reforma educacional em jogo. A democracia e as instituições liberais que veneramos neste país, desde sua fundação, estão na balança, também.

[Conclusões de Lippmann sobre seu estudo dos pais fundadores:] “Comecei a pensar que era muito significativo que homens assim educados tivessem fundado nossas literaturas, e que nós, que não somos educados desse modo, as estejamos malbaratando, com risco de perdê-las. Passei. aos poucos, a acreditar que esse fato e a chave para o enigma de nossa época, e que os homens estão deixando de ser livres, porque não estão sendo educados nas artes dos homens livres.”

A diferença de atividade, antes e depois de vocês terem formado um hábito, refere-se à facilidade e rapidez.

É isto que significa dizer que a prática leva a perfeição. O que vocês fazem imperfeitamente, no começo, chegarão, gradual- mente, a fazer com a perfeição quase automática de uma execução instintiva.

Para compreender perfeitamente as regras da leitura, vocês tinham que conhecer, como mestres, as ciências da Gramática, da Retórica e da Lógica.

Se vocês não sabem ler muito bem para começar, não podem aprender como fazê-lo, lendo livros científicos de Gramática e Lógica, porque não os podem ler bastante bem para compreendê-los em sua essência, ou para fazer aplicações práticas, formulando negras de proceder, para si próprios.

Não peguem a lista de regras numa das mãos e o livro a ser lido na outra, procurando agir como se já possuíssem a habilidade. Isso seria tão perigoso para a saúde mental de vocês, como para sua integridade física entrar num carro com o volante numa das mãos e o manual do chofer, na outra.

O sinal mais evidente de que realizaram o trabalho de ler é o cansaço. A leitura-leitura produz uma atividade mental intensa. Se vocês não ficam cansados, é provável que não tenham realizado esse trabalho.

Os homens tendem a verbalizar as idéias, dúvidas, dificuldades, raciocínios que ocorrem no curso do pensamento. Se vocês estiverem lendo, na certa que pensaram; há alguma coisa que podem exprimir em palavras.

[…] o ato de fazer anotações enquanto se lê é tão importante, que vocês não devem se intimidar de escrever num livro, levando em conta possíveis conseqüências sociais.

Acho que escrever no próprio livro é o processo mais eficiente e satisfatório, durante uma primeira leitura, embora seja, muitas vezes, necessário fazer anotações mais extensas em fichas separadas.

[…] os índices são como os mapas. Tão úteis na primeira leitura de um livro, quanto um guia de ruas em lugares estranhos.

(Parte II)

CAPÍTULO VII: De várias regras a um hábito

[…] aprender a ler é pelo menos tão complexo quanto aprender datilografia ou tênis.

Nota do leitor: “Plateau de aprendizado”: Plateau: planalto, como uma linha de um gráfico que nem sobe nem desce, ficando estagnada.

Não se encontram plateaux em todas as curvas de aprendizado, mas somente naquelas que registram a aquisição de uma habilidade complexa. Na verdade, quanto mais complexa e a atividade que se adquire, tanto mais freqüentemente aparecem esses períodos estacionários.

O hábito só está perfeitamente formado quando o aluno atingiu a unidade mais elevada de operação.

Vocês têm que passar das unidades mais baixas para a unidade mais elevada, na qual todas as habilidades separadas se ajuntam, para se tornarem uma habilidade complexa.

É o que acontece, quando se aprende a guiar tem carro. No começo, aprende-se a segurar no volante, a fazer as mudanças, a utilizar o freio. Aos poucos, dominam-se essas unidades de atividade, que não se isolam mais no processo todo. Vocês saberão guiar, quando souberem fazer todas essas coisas em conjunto, sem pensar nelas.

Sabendo-se que os plateaux no aprendizado são períodos de progresso oculto, evita-se o desânimo. Mesmo quando não aumentam, logo, a eficiência de uma pessoa, as unidades mais elevadas de atividade estão se formando.

Nota do leitor: Uma aparente estagnação no aprendizado é um processo de oculto crescimento. Não podemos desanimar. Pois o hábito faz a perfeição.

[…] tem-se primeiro que compreender um livro, para depois, julgá-lo.

Para compreender um livro, vocês têm que se aproximar dele, primeiro, considerando-o um todo, com uma unidade e uma estrutura de partes; e, segundo, considerando seus elementos, suas unidades de linguagem e pensamento.

I. A primeira leitura pode ser chamada estrutural ou analítica. O leitor procede do todo para as partes. II. A segunda leitura pode ser chamada interpretativa ou sintética. O leitor procede das partes para o todo. III. A terceira leitura pode ser chamada crítica ou avaliadora. O leitor julga o autor, e vê se concorda ou não com ele.

A quarta regra, a que ainda não me referi, é saber quais de seus problemas o autor resolveu, e quais deixou sem solução.

Conheci muitos “leitores” que fazem, primeiro, a terceira leitura. Pior do que isso, nunca chegam a fazer as duas primeiras. Pegam o livro e logo começam a mostrar os defeitos dele. Estilo cheios de opiniões, e o livro é apenas um pretexto para exprimi-las. Não deviam ser chamados “leitores”.

[…] devem, também, ser capazes de ler dois ou mais livros relacionando-os um com o outro, para ler bem qualquer um deles.

Não só muitos dos grandes livros se relacionam entre si, mas foram escritos numa certa ordem, que não deve ser ignorada. O escritor moderno foi influenciado pelo antigo. Se vocês lerem o mais antigo primeiro, ele os ajudará a compreender o moderno.

O bom leitor já tem outros livros na memória ou experiências de valor, no momento em que lê um determinado livro ao qual se referem essas coisas.

Nota do leitor: Ou seja: para ser um bom leitor é preciso ter lido e retido muitos livros

[…] o poeta, ou qualquer escritor que seja um belo artista, quer agradar ou encantar (assim como o músico e o escultor), fazendo coisas belas para serem admiradas. O cientista, ou qualquer homem de saber, que seja um artista liberal, deseja instruir, falando a verdade.

Nota do leitor: Não quer dizer que não se pode educar com poesia ou que o poeta não seja um artista liberal.

[…] aprender a ler bem trabalhos poéticos é pelo menos tão difícil quanto o problema de ler para conhecer. E, também, radicalmente diferente.

As regras para se ler poesia têm que diferir, necessariamente. Era preciso um livro do tamanho deste, para expô-las e explicá-las.

A categoria dos livros que encantam ou divertem tem tantos níveis de qualidade, quanto a categoria dos livros que instruem.

Os livros não vêm como em embrulho puro e simples de Ciência ou Poesia. Os maiores livros combinam, com freqüência, essas duas dimensões básicas da literatura. Um diálogo de Platão, A República, por exemplo, deve ser lido como um drama e como um discurso intelectual. Um poema, como a Divina Comédia de Dante, não é só uma história magnífica; é, também, uma investigação filosófica.

Há, entretanto, dois erros que devem ser evitados. Um deles, chamarei de “purismo”. É supor que um certo livro só pode ser lido de um modo.

Chamarei o segundo erro de “obscurantismo”. É supor que todos os livros só podem ser lidos de um modo. Há um extremo de “esteticismo” que vê poesia em todos os livros, recusando-se distinguir outros tipos de literatura e outros modos de ler. E outro extremo de “intelectualismo”, que trata todos os livros como se fossem instrutivos, como se não se encontrasse nada neles, a não ser conhecimento.

CAPÍTULO VIII: Interpretando o título

Às vezes, os autores têm temas que se confundem.

As melhores regras de leitura não adiantam para os livros ruins – exceto, talvez, para se descobrir por que são ruins.

[…] vocês precisam saber que tipo de livro estão lendo, e devem saber isso o mais cedo possível, preferivelmente antes de começar a ler.

Como pode o leitor saber que tipo de livro está lendo, antes de começar a ler? — perguntarão vocês. Lembrem-se de que um livro tem sempre um título e, mais do que isso, um subtítulo e um índice e um prefácio ou introdução do autor.

[…] os cabeçudos homens práticos que desprezam os teóricos, sobretudo se estes estão no governo. Para muitos, “teórico” significa visionário, ou mesmo, místico, e “prático” significa alguma coisa que trabalha, alguma coisa que tem uma compensação monetária imediata.

Esforcem-se por diagnosticar um livro através de seu titulo e do resto da introdução. Se isso não chega, vocês terão de depender dos sinais que se encontram no corpo principal do texto. Prestando atenção às palavras e gravando na mente as principais categorias, e fácil classificar um livro, sem ler muitas páginas.

Nota do leitor: Principalmente classificar se o livro é de ordem prática ou teórica.

CAPÍTULO IX: Vendo o esqueleto

Todo livro tem um esqueleto escondido entre as páginas. O dever de vocês é descobri-lo, porque tem os ossos cobertos de carne e a carne coberta de roupas.

[…] ver de que maneira se articulam as partes, como se unem e que fio as amarras num todo.

Todo livro digno de ser lido tem unidade e organização das partes. O que não fosse assim seria absurdo. E relativamente ilegível, como são os livros ruins.

Mostrar a unidade do livro numa frase única ou, quando muito, em poucas frases (um parágrafo curto). Isso significa que vocês devem ser capazes de dizer em que consiste o livro todo, o mais resumidamente possível.

Acho que todos admitem que um livro é um trabalho de arte. Mais do que isso, concordam que quanto melhor — como livro e como trabalho de arte — tanto mais perfeita e penetrante o sua unidade. Isto é verdade no que diz respeito à música, à pintura, aos romances e peças de teatro. Não e menos verdade quanto aos livros que transmitem conhecimento.

Destacar as principais partes do livro e mostrar como elas se organizam num todo, relacionando-se mutuamente entre si e referindo-se à unidade do todo.

Não podem apreender o todo sem, de certo modo, ver suas partes.

Os escritores devem escrever livros e deixar os comentários para os leitores.

CAPÍTULO X: Chegando a um acordo

[…] quatro regras para a primeira leitura ou leitura analítica. São elas: I) classificar o livro de acordo com seu tipo e assunto; 2) dizer, com a maior brevidade, em que consiste o livro todo; 3) definir suas partes principais em ordem e relação e analisá-las; 4) definir o problema ou problemas que o autor esta procurando resolver.

Chegar a um acordo é o limite ideal por que devem lutar o escritor e o leitor.

Nota do leitor: Acordo quanto aos sentidos (semântica e significações) das palavras e frases. É importante que o leitor saiba o que exatamente o autor quer dizer com algumas palavras que possam ser ambíguas.

[…] descobrir as palavras importantes e interpretá-las como o autor.

Se a linguagem fosse um meio puro e perfeito de expressão do pensamento, essas etapas não precisavam se separar.

Por ser imperfeita como meio, a linguagem se torna, às vezes, um obstáculo para a comunicação. As regras da leitura interpretativa foram imaginadas para sobrepujar tal obstáculo.

Vocês não podem determinar as palavras importantes, sem se esforçarem por compreender o trecho em que aparecem.

CAPÍTULO XI: Qual é a proposição, e por quê

A proposta deve ser clara e atraente. Então, chega-se a um acordo. Uma proposta num livro é também uma declaração. É a expressão do julgamento do autor sobre qualquer coisa.

Nota do leitor: É preciso entender qual a proposta do autor? O que ele afirma? O que nega? Que quer ele provar?

Chegamos a um acordo quanto às proposições e argumentos, partindo das palavras (e frases) para as sentenças, coleções de sentenças ou parágrafos.

Nota do leitor: Sentenças são como frases marcantes que podem resumir uma ou várias preposições. Exemplo: ler é apreender. É uma sentença, uma conclusão, que contêm propostas que devem ser descobertas. O que quero dizer quando digo que ler é aprender? Que quero provar? Onde quero chegar com a afirmação, etc.

[…] nem todas as sentenças declarativas podem ser lidas como se exprimissem uma proposição.

[…] mesmo uma sentença gramaticalmente simples pode exprimir, às vezes, duas ou mais proposições.

Tanto uma simples sentença pode exprimir várias proposições, graças à ambigüidade ou à complexidade, quanto uma só proposição pode ser expressa por duas ou mais sentenças diferentes.

Do ponto de vista do autor, as sentenças importantes são as que exprimem as idéias em que se baseia todo o argumento dele.

CAPÍTULO XII: A arte de replicar

Nota do leitor: A réplica aqui é o exercício de responder, concordar ou discordar do autor.

Ler um livro é como conversar.

O leitor tem o dever e o direito de replicar.

Mas mesmo que o leitor não se convença ou persuada, a intenção e o esforço do autor devem ser respeitados. O leitor lhe deve uma consideração. Se não pode dizer “Concordo”, devia, pelo menos, ter uma base para discordar ou mesmo para deixar de julgar a questão.

O leitor mais dócil é, portanto, o mais crítico. É o leitor que, finalmente, corresponde ao livro, esforçando-se por opinar sobre os assuntos que o autor discutiu.

[…] não se deve começar a réplica, antes de ter ouvido, cuidadosamente, e de ter compreendido.

Vou formular esta primeira regra de leitura crítica, do modo seguinte: Vocês devem ser capazes de dizer “Compreendo”, com uma razoável segurança, antes de qualquer outra coisa, como: “Concordo”, ou “Discordo”, ou “Deixo de comentar”.

CAPÍTULO XIII: O que o leitor pode dizer

A primeira coisa que um leitor pode dizer é que compreende ou não.

Se o leitor pode provar que um livro é incompreensível, não tem outras obrigações críticas.

[…] o bom leitor deve tomar conhecimentos dos princípios da argumentação. Deve ser capaz de manter uma controvérsia polida e inteligente.

[…] o processo de interpretação visa um encontro de inteligências, através do meio que e a linguagem. O ato de compreender um livro pode ser descrito como uma espécie de acordo entre escritor e leitor.

Nota do leitor: Se o leitor chegar a acordos quanto aos termos que o autor usa, mesmo não sendo persuadido por ele, pode concordar, em termos, pois assumem os mesmos conceitos.

Certas pessoas cometem um erro que causa essa aparente dificuldade. Não chegam a distinguir os dois significados da palavra “concordar”. Por conseguinte, supõem que onde há compreensão entre os homens, não há lugar para a discordância.

Julgo-me ainda bastante ingênuo para pensar que a conversa e a leitura critica podem ser disciplinadas.

Depois de dizer: “Compreendo, mas não estou de acordo”, o primeiro pode fazer as seguintes observações: 1) “Você não está informado”; 2) “Você foi mal informado”; 3) “Você é ilógico; seu raciocínio não convence”; 4) “Sua analise está incompleta.”

As três primeiras observações se relacionam com os termos, proposições e argumentos do autor. São os elementos que ele utiliza para resolver os problemas que iniciaram seus esforços. A quarta é observação — de que o livro é incompleto — baseia-se na estrutura do todo.

(Parte III)

CAPÍTULO XV: A outra metade

A leitura crítica depende da plenitude da compreensão da pessoa que lê. Aqueles que não podem dizer o que apreciaram num romance não o leram além da superfície.

Os livros didáticos visam, antes de tudo, a instrução, e os imaginativos, o prazer. Os primeiros procuram transmitir conhecimentos — conhecimentos de experiências que o leitor teve ou podia ter tido. Os últimos procuram comunicar uma experiência que o leitor só pode adquirir pela leitura.

[…] os livros didáticos comunicam o que é eminentemente e essencialmente comunicável — o conhecimento abstrato; enquanto que os livros imaginativos procuram comunicar o que é essencialmente e profundamente incomunicável — a experiência concreta.

Um homem pode partilhar seu conhecimento com outros homens, mas não pode partilhar as pulsações reais de sua vida. Desde que a experiência única e concreta não se comunica, o artista faz o melhor. Cria no leitor aquilo que não lhe pode transmitir.

Sua linguagem atua, assim, sobre as emoções e a imaginação dos leitores, e cada um deles, por sua vez, passa por uma experiência que nunca teve antes, mesmo se as recordações precisarem ser invocadas no processo.

O poeta orienta de tal modo nossas faculdades que, sem saber como isso aconteceu, participamos da experiência dele.

Ele usou palavras que penetraram em nossos corações e em nossa imaginação, para uma experiência que reflete a sua, como um sonho reflete outro sonho. Por alguma emanação estranha, o sonho do poeta é imaginado diferentemente por cada um de nós.

O escritor imaginativo procura fazer máximas, das ambigüidades latentes das palavras, para atingir assim toda a riqueza e força, inerentes a seus múltiplos significados. Usa metáforas como unidades de construção enquanto o escritor lógico usa palavras restritas a um único significado.

A lógica dos trabalhos expositivos visa um ideal de clareza não ambígua. Não se deve deixar coisa alguma nas entrelinhas. Tudo o que for importante e capaz de ser expresso deve ser dito tão explicitamente e tão claramente quanto possível.

Realcei essas várias diferenças, para formular umas poucas regras negativas. Elas não vão ensinar-lhes a ler ficção. Dizem, apenas, o que não se deve fazer, porque a ficção ó diferente da Ciência.

Nota do leitor: O autor coloca agora a seguir alguns “nãos” no tocante à leitura imaginativa.

1) Não procurem achar uma “mensagem” num romance, drama ou poema. A literatura imaginativa não é essencialmente didática.

Nota do leitor: Textos imaginativos são para descrever situações da vida, não peças de propaganda que precisam passar uma mensagem ou doutrina.

2) Não procurem os termos, as proposições e os argumentos na literatura imaginativa. Pois são sinais lógicos e, não, poéticos. Peculiares à linguagem que visa comunicar conhecimentos e idéias, são totalmente estranhos quando a linguagem serve de meio ao incomunicável — quando é empregada criadoramente.

“Na poesia e no drama, as fórmulas são os mais obscuros dos meios.” — Van Doren

3) Não critiquem a ficção pelos padrões da verdade e da evidencia, que se aplicam mais às comunicações de conhecimento.

Nota do leitor: Não julgar se a história traz coisas impossíveis como magia ou se o universo proposto tem leis físicas diferentes do nosso, por exemplo.

4) Não leiam todos os livros imaginativos como se fossem idênticos.

Se há alguma analogia entre a leitura de livros expositivos e a de livros imaginativos, há também grupos semelhantes de regras para nos guiar no último caso.

[…] quais são as regras estruturais para se ler ficção?

1) Classificar uma peça de literatura imaginativa de acordo com o tipo a que pertence. Saber se é um romance, um drama ou uma poesia lírica.

2) Aprender a unidade da obra toda. […] a unidade da ficção está sempre no enredo.

Vocês não compreenderam toda a história, antes de serem capazes de resumir seu enredo, numa breve narrativa

[…] quais são as regras interpretativas para se ler a ficção? […] o que procurar, quando analisamos uma obra de ficção?

1) Os elementos da ficção são seus episódios, incidentes e caracteres, e os pensamentos, diálogos, sentimentos e ações deles. Cada uma dessas partes é uma parte elementar do mundo criado pelo autor. É manipulando esses elementos que ele nos conta sua história.

2) Os termos estão encerrados nas proposições. Os elementos da ficção se encontram na cena que lhes serve de fundo.

3) Se há algum movimento num livro expositivo e a argumentação — uma passagem lógica das evidências e razões para as conclusões que sustentam. Lendo tais livros, e necessário seguir o argumento. Portanto, depois de terem descoberto os termos e proposições, devem analisar seu raciocínio.

Um outro aviso: as regras precedentes se aplicam sobretudo aos romances e dramas. Na medida em que os poemas líricos se revelam narrativos, aplicam-se a eles, também. Mas a essência de uma poesia lírica não está aí. É preciso um grupo especial de regras para revelar seu segredo.

[…] quais são as regras críticas para a leitura da ficção?

[…] não critiquem as obras imaginativas, antes de analisar completamente o que o autor procurou lhes transmitir. Para explicar esta máxima, lembrem-se de que não concordamos, nem discordantes da ficção. O que interessa é apreciá-la. Nosso julgamento critico, no caso dos livros expositivos, refere-se à verdade; e criticando as belas-letras, como a própria palavra o sugere, consideramos a beleza.

[…] quando gostamos de um poema, de um romance ou drama, devíamos hesitar, pelo menos um instante, em atribuir beleza ou valor artístico a obra que nos agrada. Devemos nos lembrar que, em matéria de gosto, há muita divergência entre os homens, e que alguns, por sua maior cultura, tem um gosto mais apurado do que outros.

Vou formular as máximas assim: Antes de dizer se gostam ou desgostam, vocês devem ter feito um esforço sincero para apreciar o trabalho.

Não somente dirão que gostam ou desgostam do livro, mas por quê.

Há uma grande distinção a fazer. Ninguém pode discordar do gosto alheio. A autoridade absoluta de seu próprio gosto é prerrogativa do homem. Mas pode-se discordar desse gosto, quando o que se discute ê o valor de um livro. O gosto pode não ser analisado, mas as concepções criticas são atacadas e definidas.

Vou, no entanto, sugerir cinco perguntas que ajudarão qualquer pessoa a formar um julgamento crítico de uma obra de ficção: l) Até que ponto o trabalho tem unidade? 2) Qual a complexidade, partes e elementos que essa unidade abarca e organiza? 3) É uma narração plausível, isto fã, tem a possibilidade inerente à verdade poética? 4) Será que os eleva, da semi-inconsciência ordinária da vida cotidiana, para a claridade de um despertar intenso, abalando suas emoções e satisfazendo sua imaginação? 5) Será um novo mundo, em que vocês se engolfam e onde parecem viver, na ilusão de que estão vendo a vida de um modo proveitoso e total?

Quanto melhor vocês discernirem as causas de seu prazer, lendo uma obra de ficção, tanto mais perto estarão de conhecer as virtudes artísticas do trabalho literário.

As quatro perguntas que vou formular, como orientação para qualquer leitura, aplicam-se, igualmente, à que nos informa e AA que nos esclarece.

I. O que foi dito de modo geral?

II. O que foi dito de modo particular?

III. É verdade?

IV. E daí?

CAPÍTULO XVI: Os grandes livros

Sempre houve mais livros do que leitores. E como os primeiros se multiplicaram infinitamente através dos séculos, as listas são cada vez maiores.

Nota do leitor: Por isso é muito importante lermos os grandes livros como prioridade.

A questão é ler bem. É melhor ler um grupo de livros básicos com eficiência, do que todos eles sem eficiência, porque uma grande quantidade de leituras descuidadas traz um proveito pequeno ou nulo.

Em todos os tempos, antes e depois de Cristo, os organizadores de listas incluíam tanto os livros modernos, quanto os antigos, em suas seleções, e sempre se admiraram dos modernos completarem os grandes livros do passado.

Assim como os grandes livros científicos são os que, mais do que os outros, podem aumentar nossa compreensão — os grandes livros de literatura são os que elevam nosso espírito e desenvolvem nossa humanidade.

Nota do leitor: Em seguida Adler elencará 6 grandes características dos grandes livros.

1: […] os grandes livros são os mais lidos. Não se conclua, decerto, que todo livro que atinge um público enorme, seja, só por isso, considerado clássico.

Também não digo que um grande livro precise ser um sucesso de livraria, entre seus contemporâneos.

2: Os grandes livros são populares e, não, pedantes. […] tratam dos problemas humanos e, não, dos acadêmicos. Foran1 escritos para homens e, não, para professores.

Nota do leitor: Popular no sentido de que foi escrito para o público comum.

3: Os grandes livros são sempre contemporâneos.

Nota do leitor: Ou seja, são sempre livros com relação com nosso tempo. Não caducaram com a idade.

Mark Twain, como sabem, definiu o clássico como “alguma coisa que todos querem ter lido e que ninguém lê”. Acho que nem isso é verdade, para a maioria das pessoas. “Clássico” passou a significar livro velho e antiquado.

Mas os grandes livros não são glórias murchas. Não são fósseis poeirentos a desafiar a investigação científica. Não são lembranças de civilizações mortas. São as mais poderosas forças civilizadoras do mundo atual.

[…] não há progresso em tudo. Os problemas humanos fundamentais são os mesmos, sempre. Qualquer pessoa que leia os discursos de Demóstenes e as cartas de Cícero, ou, se preferem, os ensaios de Bacon e Montaigne, descobrirá como é constante a preocupação dos homens com a felicidade e a justiça, com a virtude e a verdade e, mesmo, com a estabilidade e a mudança.

As civilizações crescem como cebolas, camada após camada.

4: Os grandes livros são os mais legíveis.

Dizer que os grandes livros são os mais legíveis é dizer que eles não proclamam sua inferioridade, se vocês souberem lê-los.

5: […] os grandes livros são os que mais instruem, os que mais ilustram. Isso se origina do fato de serem eles comunicações originais e de conterem o que não se encontra noutros livros.

[…] os grandes livros são os que exercem maior influência. […] São os livros sobre os quais se escrevem outros.

6: […] os grandes livros tratam dos problemas permanentemente insolúveis da vida humana

As grandes inteligências não devem ser como as inteligências medíocres que desprezam ou que fogem dos mistérios.

Os grandes livros são os mais legíveis para qualquer um que saiba ler […] se vocês querem se servir de um grande livro para ler outro, será melhor lê-los do passado para o presente. Se lerem, antes, os livros que o autor leu, vocês o compreenderão melhor.

Um dos mais sagrados privilégios humanos é o de sermos homens, primeiro, e cidadãos ou nacionais, depois. Isso se aplica tanto à esfera cultural, quanto à política. Não fomos hipotecados nem ao nosso país, nem ao nosso século. E direito nosso pertencer à vasta confraria de homens, que não reconhecem fronteiras ou quaisquer ídolos locais ou de tribo.

Nota do leitor: O autor critica o nacionalismo e a idolatria ao tempo atual (ao presente), que faz muita gente ler somente autores nacionais e de sua época.

Quem sabe ler bem, pode pensar de um modo crítico. No tocante a isso, sua inteligência se tornou livre.

CAPÍTULO XVII: Inteligências livres e homens livres

Se tem amigos com os quais fala de suas leituras, isso o levará, mais facilmente, a falar com os livros mesmos.

Ler os grandes livros não é um fim em si. É um meio para se viver uma vida verdadeiramente humana, como homem e cidadão livre. Este deve ser o nosso principal objetivo.

Vocês podem manter uma conversa com um livro, mas muita gente pensará que estão falando sozinhos. Para que a conversa seja viva, vocês precisam mais do que livros e do que habilidade de ler. Precisam ter amigos e serem capazes de falar e ouvir.

Nossas deficiências na comunicação são em grande parte devidas à falta de comunhão inicial de idéias, assim como à incapacidade de falar e ouvir.

Não somente quero que vocês aprendam a ler, mas pretendo que mudem de amigos! Acho que há uma certa verdade nisso. Ou vocês se adaptam, ou devem mudar de amigos.

Se vocês lêem os grandes livros, hão de querer amigos, com que possam discuti-los. Não precisam procurar novos, se conseguirem persuadir os velhos a lerem com vocês.

A educação liberal é o maior baluarte da democracia.

Vocês e seus amigos têm a liberdade de arquitetar seus próprios planos. […] Reúnam-se, leiam os grandes livros e, depois, os discutam. Assim como vocês aprenderão a ler, lendo — aprenderão a discutir, discutindo.

A inteligência que foi treinada na boa leitura desenvolveu seus poderes analíticos e críticos. A inteligência que foi treinada na boa discussão tem esses poderes mais aperfeiçoados ainda. Adquire-se tolerância com os argumentos, tratando deles pacientemente e com boa vontade. O impulso animal que nos leva a pretender impor nossas opiniões é, assim, refreado.

Aqueles que sabem ler bem, e ouvir e falar bem, tem mentes disciplinadas. A disciplina é indispensável para um emprego livre de nossos poderes.

A disciplina, como já o afirmei, É uma fonte de liberdade. Só uma inteligência bem exercitada pode pensar livremente. E onde não há liberdade de pensar, não pode haver liberdade de pensamento. Sem inteligências livres, não podemos permanecer muito tempo como homens livres.

Temos que fazer mais do que pensar e aprender, para viver uma vida humana. Devemos agir.

[…] não adianta ler os grandes livros, se não tratarmos de formar uma boa sociedade.

Vou dizer, resumidamente, o que entendo por boa sociedade. É, simplesmente, o alargamento da sociedade em que vivemos com nossos amigos.

Constituímos uma -comunidade, na medida em que nos comunicamos, em que participamos de idéias e propósitos comuns. A boa sociedade, em suma, deve ser uma associação de homens que se tornaram amigos pela comunicação inteligente.

Quando aos homens faltam as artes da comunicação, a discussão inteligente morre.

Nota do leitor: Quando morre a discussão inteligente, um desejará dominar sobre o outro.

Só vivemos livremente com nossos amigos. Com os outros, estamos sempre oprimidos por toda espécie de receios, e tolhidos, em cada movimento, pela desconfiança.

Reclamamos todas as espécies de liberdade — de palavra, de imprensa, de reunião — sem compreender que a liberdade de pensar é a base de todas as outras. Sem ela, a liberdade de palavra é um privilégio vão, e a liberdade de consciência, nada mais do que um preconceito privado.

Demos atenção ao uso externo da liberdade e, não, à sua essência. O sistema educacional reinante mostra, além disso, que não sabemos como se formam as inteligências livres e, através delas, os homens livres.

As artes de ler e escrever, de ouvir e falar, são artes que nos possibilitam pensar livremente, porque disciplinam a inteligência. São artes libertadoras.

Os meios de comunicação, usados pelos libertadores para libertar os homens, são usados, hoje, pelos ditadores para subjugá-los.

Os cidadãos devem ser capazes de criticar o que lêem e o que ouvem: devem ser liberalmente educados.

Nota do leitor: Um povo que não domina a comunicação será enganado por oligarquias de oradores.

Uma democracia, em suma, depende de homens que podem se governar, porque possuem a arte de ser governados. Ocupem eles cargos de governo ou sejam simples cidadãos, podem governar e ser governados sem perder sua integridade ou liberdade.

Se, depois de terem aprendido a ler e de terem lido os grandes livros, vocês agem mal, em negócios pessoais ou políticos, não precisavam ter tido tanto trabalho.

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Publicado por Anderson C. Sandes

Poeta, cronista, ensaísta, autor de Baseado em Fardos Reais; Arte e Guerra Cultural: preparação para tempos de crise; organizador da Antologia Quando Tudo Transborda. Pedagogo. Vivo de poesia pra não morrer de razão.

4 comentários sobre “A Arte de Ler — Mortimer J. Adler”

    1. Alexandre Nunes Damasceno Vanzeller disse:

      Devido minha má gestão, ainda não li o livro. Pretendo começar por sua resenha e pelas aulas no MBC. Creio que com o trabalho exercido no MBC e suas resenhas, serei mui beneficiado em vários aspectos.

  1. Flávio do Prado disse:

    Excelente livro e uma excelente análise, parabéns.

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