Fichamentos e Resenhas

Arte Poética — Quinto Horácio Flaco

Sobre o autor: Quinto Horácio Flaco, em latim Quintus Horatius Flaccus, (Venúsia, 8 de dezembro de 65 a.C. — Roma, 27 de novembro de 8 a.C.) foi um poeta lírico e satírico romano, além de filósofo. É conhecido por ser um dos maiores poetas da Roma Antiga.

Filho de um escravo liberto, que possuía a função de receber o dinheiro público nos leilões, recebeu uma boa educação para alguém com suas origens sociais, graças aos recursos que seu pai conseguiu, levando-o para Roma onde foi discípulo de Orbílio Pupilo. Seus estudos literários de Roma foram completados em Atenas, para onde foi, aos vinte anos.

Alguns de seus poemas são apontados como exemplos do impacto da filosofia epicurista na Roma Antiga. Não sendo um filósofo ele mesmo no sentido estreito do termo, ele se mostrou um filósofo ao não evitar o tema em seus poemas alguns temas epicuristas destacam-se em sua obra, como a importância em se aproveitar o presente (carpe diem) pelo reconhecimento da brevidade da vida e a busca pela tranquilidade (fugere urbem). Fonte da biografia»

Sobre a obra: Arte Poética é o maior poema de Horácio, contendo 476 versos. Trata-se de um “poema epistolar”, uma carta aos Pisões, onde o autor racionaliza conceitos e regras para a criação literária, e também aconselha sobre o ofício, suas responsabilidades e sua ética. Os temas tratados no poema são vários, desde a formação do poeta, métrica, estilos de poemas, conselhos sobre a escrita de peças, elogio e crítica, etc.

Existem alguns “índices”, modelos de organização para o poema horaciano, como o de Brink e o de Donald Russell, meu favorito. O de Brink sumariza a obra em 3 partes: 1) arranjo e dicção (dos versos 42 aos versos 118); 2) tema e caráter, exemplificados por épica e drama (vv. 119–294) e 3) o poeta, sua formação e a crítica literária (vv. 295–476)

O modelo de Donald Russell é o seguinte (a numeração refere-se ao número do verso do poema, a sigla “vv.” quer dizer “verso”):

1 – 23: Unidade e consistência
24 – 58: Habilidades necessárias para evitar erros
59 – 72 : Palavras em voga
73 – 98: Metro e tema
99 – 118: Emoção e ethos
119 – 178: Escolha e tratamento do mito
179 – 201: Regras para dramaturgos
202 – 219: Desenvolvimento da tragédia
220 – 250: Dramas satíricos
251 – 268: Demanda por perfeição técnica no metro
269 – 274: Modelos gregos
275 – 284: Inventividade dos gregos no drama
285 – 294: Inventividade dos romanos
295 – 322: O poeta
323 – 390: Atitudes gregas e romanas
391 – 407: A poesia e seus usos e valores sociais
408 – 452: Arte e natureza
453 – 476: O poeta louco

Fichamento: Arte Poética, de Horácio, tradução de Guilherme Gontijo Flores, editora Autêntica, 2020. O método usado no seguinte fichamento é bem simples: citações diretas destacadas e, por vezes, notas minhas sobre tais citações. Fichamento abaixo:

“Porém, ao pintor e ao poeta sempre se deu o pleno direito de ousar o que queiram” vv. 9-10

“[…] quem deseja vários prodígios na mesma unidade, porcos nos mares pinta ou então no mato golfinhos”. vv. 29-30

“Fuga de críticas leva ao vício, se faltar-lhe a arte”. vv. 31

“Nas palavras, seja cauto e sútil no entrelace, pois notável será, se ao termo mais conhecido uma costura sagaz converte em novo”. vv. 46-48

“[…] toda licença é dada, desde que tenha prudência: novas palavras recém-forjadas serão acolhidas se da fonte grega derivam em queda discreta”. vv. 51-53

“Sempre foi permitido dar um nome cunhado na forma do selo presente”. vv. 58-59

“Como nos bosques que mudam de folhas todos os anos caem as velhas, também fenecem antigas palavras, mas as recém-nascidas, iguais as jovens, florescem”. vv. 60-62

“[…] nunca perduram a glória e graça viva da fala. Muitos ainda renascem depois de caírem e caem estes vocábulos que hoje têm glória, se o uso decide, já que detém a lei, a norma e arbítrio da fala”. vv. 69-72

“[…] se conservar os modos prescritos e as cores das obras eu não posso nem sei, como é que me chamam poeta? Como em falso pudor prefiro ignorá-lo a sabê-lo?” vv. 86-88

“Não satisfaz o poema bonito, mas doce requinte, para também levar onde queira a mente do ouvinte”. vv. 99-100

“Se quer que eu chore, primeiro sofra você, e assim os seus infortúnios me afetam” vv. 102-103

“Pois Natureza primeiro nos forma por dentro pra todo golpe do acaso; alegra ou então impele pra raiva, ou derruba e comprime no chão em pesada tristeza; só depois a língua intérprete expõe nosso alento”. vv. 108-111

“Muito interessa se acaso é herói ou divo que atua, velho maduro ou ainda na for da melhor juventude todo fogoso, matrona mandona ou nutriz dedicada, comerciante errante ou colono de verdes searas, se é assírio ou colco, nutrido em Tebas ou Argos”. […]

“Siga a fama firmada ou forge um papel coerente, caro escritor”. vv 114-119

“Se na cena inserir o inaudito com toda coragem para formar personagens, conserve até o desfecho como vinha do início e que fiquem de pé, coerentes”. vv. 125-127

“Quem promete tanto cumpre o que fala no exórdio? Montes podem parir: nascerá um ridículo rato. Mais correto é aquele que nada constrói sem cuidado” vv. 138-140

“[…] vai sempre direto ao assunto e no meio das coisas, como se já conhecidas, pega o ouvinte e aquilo sem esperança de brilho no trato deixa de lado” vv. 148-150

“Ouça agora o que eu e o povo comigo buscamos. Para manter plateia sentada até que levantem toda a cortina e por fim o cantor nos peça os “Aplausos”, saiba que deve marcar os costumes de todas idades dando à fugaz natureza dos anos o toque ajustado”. vv. 153-157

“Todo jovem sem barba, assim que se afasta da guarda, gosta de cães, de cavalos, da grama no Campo de Marte, cera a dobrar-se no vício, rude com seus conselheiros, tardo em prover o que possa ser útil, pródigo em gastos, ávido, altivo, rápido para largar os amores”. vv. 161-165

“Muitos incômodos cercam o velho, seja porque ele busca e depois se abstém do que tem, ou teme seu uso, seja porque ele cuida de tudo num medo de gelo, postergador, alongado da espera, em pavor do futuro, rabugento, difícil louvando o tempo passado quando fora criança, censor e cricri dos menores”. vv. 169-174

“Nunca se entrega um papel senil ao jovem, viril ao menino; sempre se cose o melhor caráter da idade adequada”. vv. 176-178

“Ou se atua em cena ou os atos são relatados. Toca mais fraco nos ânimos tudo que chega aos ouvidos do que aquilo que serve aos olhos fiéis e que o próprio público pega sozinho”. vv. 179-182

“No entanto não mostre no palco cenas cabíveis num bom bastidor e tire dos olhos tudo que a própria eloquência pouco depois apresenta. Que Medeia nunca mate os filhos na cara do povo, nem o perverso Atreu cozinhe entranhas humanas […]” vv. 182-187

“Por confiar que talento é mais do que a mísera arte, velho Demócrito expurga do Hélicon todo poeta são — e boa parte dos seus descuida de barba e unhas, procura viver em retiros e banhos evita, pois assim angaria nome e valor de poeta […]” vv. 295-299

Nota do leitor: Cabem aqui algumas notas: 1) o debate na época de Horácio sobre talento X domínio da arte era muito presente. 2) Demócrito, filósofo grego (séc. V-IV a.C.) defendia a tese do talento inato e, 3) segundo Cícero (Da adivinhação, 1.80), Demócrito em seu Da poesia, afirmava que ninguém poderia ser poeta sem ser louco ou estar possuído por um espírito divino, como as musas. Por isso a referência de muitos poetas no Hélicon, monte divino dedicado a Apolo, deixarem a aparência como que de louco, para parecerem verdadeiros poetas, digno dos dons.

“Só o saber é fonte e princípio da escrita correta”. vv. 309

“Todo poeta procura dar proveito ou deleite, ou dizer num só tempo o que é belo e útil na vida. Seja qual for o preceito, seja breve, pois logo o ânimo dócil apreende fiel e de cor o aprende”. vv. 333-336

“Leva todos os votos quem dosa o útil e o doce, quando num só gesto deleita e aconselha os leitores”. vv. 343-344

“Feito pintura, a poesia: pois uma vista de perto mais nos cativa, e outra é melhor se vista de longe” vv. 361-362

“[…] nem homens, nem deuses, nem as colunas de livros toleram poeta medíocre”. vv. 372-373

“Se é natureza que dá louvor ao canto ou se é arte, eis a questão. Eu penso que empenho sem riqueza na veia ou talento bronco de nada serve; pois este pede apoio àquele em conjuração amigável” vv. 408-411

“Qual pregoeiro que junta um bando a comprar os produtos, um poeta reúne bajuladores por lucro; rico em terras, rico em moedas que em juros investe”. vv. 419-421

“[…] puxa-sacos se afetam mais que os bons louvadores: Dizem que reis coagem cercando de muitas tacinhas para extorquir com vinho quando investigam a fundo quem merece amizade; você, se prepara algum canto, nunca se engane por homens ocultos sob a raposa”. vv. 433-437

“O homem bom e prudente repreende versos sem arte, risca os duros, passa linha negra nos mancos com transverso cálamo, corta ornamentos pomposos, busca dar mais luz aos menos claros, questiona cada dito ambíguo, marca o que deve mudar-se […]” vv. 445-449

“[…] quem é sensato receia e evita tocar o poeta louco; crianças o atiçam e incautos o seguem. Quando versos sublimes arrota nas suas errâncias, feito um passarinheiro que atento aos melros um dia cai num poço ou fosso, pode esganar-se” vv. 455-459

O poeta Quinto Horácio Flaco

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Publicado por Anderson C. Sandes

Poeta, cronista, ensaísta, autor de Baseado em Fardos Reais; Arte e Guerra Cultural: preparação para tempos de crise; organizador da Antologia Quando Tudo Transborda. Pedagogo. Vivo de poesia pra não morrer de razão.

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