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Três motivos fundamentais para aprender a gostar de Poesia

O Parnaso (1511) by Rafael Sanzio

Longe de mim, caro leitor atento, intencionar mero utilitarismo à poesia. De tal escola passo ao largo, vendo poesia — poíesis (ποίησις, no grego) — como: ato de criar ou fazer, como matriz, e por vezes nutriz, não como mero artifício, técnica, ou gênero literário com fins supostamente úteis. Oscar Wilde certa vez escreveu: “A Arte é completamente inútil”in O Retrato de Dorian Gray. Tendo a crer que o escritor disse, de modo tímido e com foco em outras questões, que a arte está para além das utilidades, pois a transcende num arroubo sublime, quase que viva, permitindo-se ser utilizada vez ou outra. Nunca ouvi alguém questionar o porquê da beleza da natureza ou de obras humanas, apenas expressam seus sentimentos em poucas interjeições indignas. Certa feita até já cunhei em médio discurso, como que impelido pelas musas: “a poesia não serve, pois é senhora”.

Tendo tais considerações, não é impossível admitirmos que podemos sim, com certa devoção, elencar algumas “utilidades” para a poesia, já que, de modo não tão incompreensível, ouvi tantos questionamentos acerca de suas “utilidades”. Mas pretendo fazer um pouco mais que isso, trazendo três motivos para que todos possam almejar um gosto pela poesia, ou pelo menos tê-la com um pouco mais de respeito:

Mãe de todas as artes e ciências

Em sua obra Defesa da Poesia, no século XVI, Sir Philip Sidney disse: “[…] a poesia é, de todas as ciências humanas, a mais antiga e remonta à mais alta antiguidade e da qual se originaram as outras ciências. No século XIX, Percy B. Shelley, em sua obra com semelhante título, Uma Defesa da Poesia, expressou tamanha concordância: “Na juventude do mundo, todo autor é necessariamente um poeta, porque a própria linguagem é poesia”.

Toda arte ou ciência possuem linguagem, forma. Se consideramos que a própria linguagem é poesia, não há escapatória, a poesia seria a matriz de todas as expressões humanas, e é. A própria palavra poesia é auto explicativa. Todos os povos que desenvolveram suas atitudes e intenções poéticas cresceram em conhecimento (e são lembrados), principalmente os que conceberam a escrita como forma de registro da cultura e dos saberes. Como compreenderíamos mais de muitos povos se, além da música, mitologia, pinturas (e outras manifestações poéticas), nos legassem “textos”, escritos.

Recentemente perguntei a um grupo de colegas qual seria o poeta preferido de cada um. Abismado recebi respostas como: “não conheço muito de poesia”, ou: “não costumo ler poesia” e, pior de todas: “não leio poesia”. Usei o termo “abismado” propositalmente, pois há de fato um abismo entre essa gente e a educação. Como podem dizer-se educadas se não leem poesia? Como conseguem ler bem e interpretar bem um texto se não conhecem a mais solene e condensada forma de expressão? De onde vem o conhecimento primeiro deles se não das mais primitivas artes, ciências, filosofias, escrituras sagradas — tudo fruto de linguagem, de poesia —?

Infelizmente o abismo tomou conta do mundo. Jaz a educação em tumba fria, larga e profunda, baseada em criticismo, pessimismo, obscurantismo. E é sobre isso nossos próximos pontos.

Acessível a todos

A poesia, e suas principais características (ato criador, linguagem,beleza) é essencialmente humana, natural. Os antigos escreviam seu noticiário político, conselhos de agricultura, genealogias, esportes e religião em forma de poesia, totalmente acessível, de modo que, mesmo antes da invenção da escrita, os mais simples da aldeia compreendiam e assimilavam. As canções eram para todos, de tal modo as histórias, a arquitetura, a dança. A poesia era acessível, e grande parte dela ainda é. “Caso nossa sociedade estivesse saudável, não seria necessário dizer a ninguém como ler ou escrever poesia” — G. K. Chesterton in Como ler poesia. Aqui Chesterton nos mostra que há um problemão em nossos tempos: as pessoas não conseguem mais se comunicar de forma elevada, bela, transcendente. Preferem o vulgo, o corriqueiro, o utilitário balbuciar, que tem e cumpre a sua função comum, mas não pode jamais ser a única forma de comunicação, abolindo toda a beleza e solenidade que podemos ter por meio do logos — linguagem, palavra, verbo.

Como a poesia é muito mais que poemas de amor, rimas e palavras generosas, todos podem ter acesso, aliás, têm, pois a poesia está por toda a parte e, se for conhecida como é de fato, será reconhecida em cada instante vão de nossas vidas.

Dar ordem ao caos

“[…] a intenção da poesia é: impor uma ordem ao caos das palavras desordenadas […] O mundo é caótico, e o mundo interior o é também” — Otto Maria Carpeaux in Poesia e Ideologia. Assim como para o coletivo, podemos dar “funções” à poesia para o indivíduo. E considero esta a maior de todas: dar ordem ao caos. Em todos os tempos houve a impressão de que poesia é algo divino. Por tempos a mesma palavra empregada em latim para profetas, era a mesma para os poetas: vates. Não havia distinção. Até mesmo, no oriente, como em antigos escritos chineses, a poesia é tida como “o caminho” para a divindade: “O céu conferiu-nos a natureza humana: o acordo com ela é o Caminho”in Chung Yung, obra atribuída a Tzu Ssu, neto de Confúcio. O próprio filho de Deus é descrito como, sendo no princípio, o “logos”, a palavra, o verbo, o discurso. Na cultura judaico-cristã todo o mundo é criado (com exceção do homem) pelas palavras proferidas por Deus. Sendo assim, o homem precisa do logos para dar ordem ao próprio ser. As primeiras palavras de Deus em Gênesis, o primeiro livro da Bíblia Sagrada são: Faça-se a luz — fiat lux, do latim. O verbo fazer, ou criar, é a tradução quase que literal de “poesia” — poiésis (ποίησις) — no grego.

Muito curioso que Deus tenha dado ordem ao caos — da terra vazia e sem forma — utilizando-se de palavras — logos —, utilizando-se de poesia. E é por meio da poesia que nós, feitos a imagem e semelhança de Deus, podemos ser copartícipes em sua criação, como no episódio em que Adão, feito do barro e do fôlego divino, não por palavras, dá nome a todas as feras da terra (Gn 2:20). Por meio do logos podemos dar ordem não somente ao mundo exterior, mas também ao interior.

Crendo ou não no divino (ou no Divino), o leitor honesto entenderá que, quanto maior nossa cultura poética, repertório de palavras conhecidas, ou seja, a capacidade de nomear de modo preciso as coisas que nos envolvem, os sentimentos, as atividades, os temperamentos, etc, maior nossa capacidade de dar ordem ao caos interior, conhecendo a nós mesmos e o mundo que nos rodeia. O modo mais sólido e ligeiro para tal capacidade é através da poesia, logos.

Bem, creio que temos aqui motivos mais que suficientes para despertar em muitos alguma curiosidade e respeito pela poesia, compreendendo-a mais que como apenas poemas obscuros e incompreensíveis. Que possamos trilhar “o caminho” com sabedoria, pois a bons ares nos levará. “[…] a poesia é a sabedoria em busca dos homens” — Olavo de Carvalho in Poesia e Filosofia.

Anderson C. Sandes — Março de 2021

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Publicado por Anderson C. Sandes

Poeta, cronista, ensaísta, autor de Baseado em Fardos Reais; Arte e Guerra Cultural: preparação para tempos de crise; organizador da Antologia Quando Tudo Transborda. Pedagogo. Vivo de poesia pra não morrer de razão.

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