Poesia

Somos sonhos

Claude Monet [Bazille and Camille (Study for "Déjeuner sur l'Herbe")], 1865 (Detalhe)

Sonho acordado
desejando.
Desejando também
sonhar dormindo
Não apenas sonhar,
mas sonhar contigo.

Poesia

O cri-cri

Antoine Watteau [The Italian Comedians], 1720 (Detalhe)

Repousam os versos
Onde o poeta não pode descansar
Versos profundos voam
Os de superfícies e os superficiais
Vão às profundezas
E morrem sufocados
Sufocados em terra

Poesia

Pobres

Jean-Léon Gérôme [Diogenes], 1860 (Detalhe)

Ali tinha um pobre que nada tinha
Acolá, outro pobre, que tudo tinha
Semelhanças?
Ambos nada tinham
Diferenças?
O de ali achava que não tinha
O de acolá sentia que não tinha

Poesia

Ocupados

Salvador Dalí [The Persistence of Memory], 1931 (Detalhe)

Toda essa gente ocupada demais
Pra onde vão?
Espero que pra os infernos
Ouvem “boa noite”
E dizem “boa”
Não perdem tempo com conversas do tipo
São ocupados demais

Poesia

Cicatriz

Hendrick ter Brugghen [The Incredulity of Thomas], 1622 (Detalhe)

A quem se dedica uma dor?
Essa dor de cicatriz
Essa dor de passado
Essa dor que não passa
Ferida fechada há tempos
Mas traz na pele a memória

Poesia

Da imaginação

Caio Santos [Dom Quixote de La Mancha, o cavalheiro de Cervantes], 2001 (Detalhe)

Fecham-se os olhos
E viro um herói
O melhor poeta
O melhor atleta
O melhor de mim
O melhor que não sou

Ensaio, Texto

Aquele que fere: um ensaio sobre a dor

Professor Morteza Katuzian [Menina triste], 1986 (Detalhe)

O que tenho eu nesta vida para cuidar além de algumas feridas? Perguntei-me durante uma de minhas curtas e constantes crises existenciais. Quem não tem uma dessas pelo menos uma vez por semana? Logo me veio à memória algumas leituras que fiz, que tratam sobre a dor, pois quando se fala em feridas abertas se fala em dor — e sofrimento —. Fiz um paralelo entre essas memórias.

Poesia

Jubileu de quê?

Vincent van Gogh [Wheatfield with Crows], 1890 (Detalhe)

Aquele que é profundo
Sofrerá profundamente
Fará tudo pelas profundezas
Pagará o preço por sentir em dobro

Poesia

Cosmos jardim

Otto Stark [Garden in Paris], 1885 (Detalhe)

Bem arado foi o céu

Enchido com sementes de estrelas
Como serão suas flores?
Rosadas de luz? Cheias de cores?
Quem as colherá? Quem escolherá?

Poesia

O cão sem plumas — João Cabral de Melo Neto

Imagem: Reprodução / Internet

I. Paisagem do Capibaribe

A cidade é passada pelo rio 
como uma rua 
é passada por um cachorro; 
uma fruta 
por uma espada.

O rio ora lembrava 
a língua mansa de um cão, 
ora o ventre triste de um cão, 
ora o outro rio 
de aquoso pano sujo 
dos olhos de um cão.