Poesia

Soneto de tímido

René Magritte [The Son of Man], 1946 (Detalhe)

Oh, ser estranho, permaneça fechado
P’ra que não fujam teus monstros
E que não haja muitos encontros
Entre tu, libertador, e o libertado

Poesia

Pedro Pedro

Christoffer Wilhelm Eckersberg [Pont Royal seen from Quai Voltaire], 1812 (Detalhe)

Pedro parecia perecer
Parava, pensava… pulava
Pulava pelos pântanos
Pântanos pensados por Pedro

Pedro pedia pão
Pobre Pedro…
Pesadas portas

Poesia

Milagre de merda

Balthasar Denner [A Gardener], 1735 (Detalhe)

Terna flor
Que adornada de esterco
De dejetos fétidos
De abortos intestinais
De desarranjos, não arranjos
Do putre rejeito dos corpos
Cresce linda e cheirosa
A despeito e por causa
Dessa massa fedorenta

Poesia

Do cuidado

Pierre Auguste Cot [The Storm], 1880 (Detalhe)

Cuidado com as flores!
Não por serem flores,
mas porque nem tudo são flores.

Conserva o que tens!
Para que não te seja
Arrancado o que ainda não tens.

Poesia

Somos sonhos

Claude Monet [Bazille and Camille (Study for "Déjeuner sur l'Herbe")], 1865 (Detalhe)

Sonho acordado
desejando.
Desejando também
sonhar dormindo
Não apenas sonhar,
mas sonhar contigo.

Poesia

O cri cri

Antoine Watteau [The Italian Comedians], 1720 (Detalhe)

Repousam os versos
Onde o poeta não pode descansar
Versos profundos voam
Os de superfícies e os superficiais
Vão às profundezas
E morrem sufocados
Sufocados em terra

Poesia

Pobres

Jean-Léon Gérôme [Diogenes], 1860 (Detalhe)

Ali tinha um pobre que nada tinha
Acolá, outro pobre, que tudo tinha
Semelhanças?
Ambos nada tinham
Diferenças?
O de ali achava que não tinha
O de acolá sentia que não tinha

Poesia

Ocupados

Salvador Dalí [The Persistence of Memory], 1931 (Detalhe)

Toda essa gente ocupada demais
Pra onde vão?
Espero que pra os infernos
Ouvem “boa noite”
E dizem “boa”
Não perdem tempo com conversas do tipo
São ocupados demais

Poesia

Cicatriz

Hendrick ter Brugghen [The Incredulity of Thomas], 1622 (Detalhe)

A quem se dedica uma dor?
Essa dor de cicatriz
Essa dor de passado
Essa dor que não passa
Ferida fechada há tempos
Mas traz na pele a memória

Poesia

Da imaginação

Caio Santos [Dom Quixote de La Mancha, o cavalheiro de Cervantes], 2001 (Detalhe)

Fecham-se os olhos
E viro um herói
O melhor poeta
O melhor atleta
O melhor de mim
O melhor que não sou