Aquele que é profundo
Sofrerá profundamente
Fará tudo pelas profundezas
Pagará o preço por sentir em dobro
Poesia
Cosmos jardim
Bem arado foi o céu
Enchido com sementes de estrelas
Como serão suas flores?
Rosadas de luz? Cheias de cores?
Quem as colherá? Quem escolherá?
O cão sem plumas — João Cabral de Melo Neto
I. Paisagem do Capibaribe
A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.
O rio ora lembrava
a língua mansa de um cão,
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.
Humor solitário
Algo me trouxe alegria
E resgatou o meu riso
Como qualquer bobo que ri
Ri
Como quem sente cheiro de café
Como quem ouve as primeiras palavras de criança
Como o por do sol que traz o Shabbat
Como um “eu te amo” antes de dormir
Chega o tempo
Relembrando um verso antigo
Cheguei à conclusão
De que nada é tão antigo
Que não toque um coração
De forma tão severa
Como a chuva toca o chão
Vida em papel
Que mundo de papelão
Cheio de seres de machê
De vida difícil e de fácil fim
Ah, este mundo de poeira
Cheio de homens de barro
Pequenos porrões pisando em betão pintado
Pintado por mãos
Não por acaso
De Babilônia a Patmos
Vem vindo um mar de gente
Seguram-se os ventos de guerra
Há um animal que governa
E oprime um povo inocente
Um lugar pra viver
Ah, quem me dera um lar no Pacífico
De fronte ao oceano sem memória
Eu não sei nadar. Eu não sei nada
Quero um lar pacífico, quero uma história.
Correr como criança
Que saudade de correr
Mas correr como criança
Correr atrás da bola
Correr atrás da abelha
Correr para abraçar
Correr, só por correr