Poesia

Esta cidade

Natalia Mikhalchuck [Vilnius evening], 2013 (Detalhe)

Fico cá nesta cidade
Com seus muitos becos
Suas muitas ruelas
De jovens parados
E afazeres efêmeros
Julgo eu, todavia.

Poesia

De passagem

Nicolas Poussin [Landscape with a Calm], 1650–1651 (Detalhe)

Essas vilinhas bucólicas
Quiçá melancólicas
Com bodes amarrados em algarobeiras
Recordam-me algo que fui, talvez.
Falo de um sujeito mais manso . . .
Nem sei . . .

Poesia

[Des] Fiz-me

Fogo na caatinga
Fiz-me pardal e voei
Verde na serra
Desfiz-me das asas, pousei
Era belo o caminho
Fiz pra mim botas… e andei
Fresco e calmo era o lago
(… não sei nadar)
Tive medo, e nada virei
Odiava o medo
Fiz-me coragem e nadei
E na coragem… me afoguei

Poesia

Pedras

Imagem: Reprodução / Internet

O poema a seguir é inspirado em No Meio do Caminho, de Carlos Drummond de Andrade. Segundo uma teoria, o autor teria usado de um anagrama: Pedra tem as mesmas letras que Perda. Segundo ainda tal teoria, o poema teria sido para expressar a perda de seu filho, que sobreviveu apenas por meia hora, depois do parto. Meu poema, apesar da referência, não traz a mesma conotação. Falo de oportunidades perdidas, escolhas, pessoas, e tudo o que se pode optar na vida. Deixo abaixo de meu poema, um recital do poema de Drummond.

Poesia

Cada qual em seu lugar

Ambrosius Bosschaert the Elder [Flower Still Life], 1614 (Detalhe)

Por mais que eu cante
Não me vêm as borboletas
Inda que’u grite
Não me responde a lua
Deve estar cheia… cheia de mim

Poesia

Voltas

Carl Frederik Sørensen [A Wreck on the West Coast of Jutland at Sunset], 1847 (Detalhe)

De todas as minhas voltas…
De todas as minhas voltas…
Uma não reparei
Foi a que dei em torno de mim
Vi tudo o que há de rotação
Mas não percebi minhas sete
Meias-voltas e o voltar
Para o caminho d’onde vim

Poesia

Belo

William-Adolphe Bouguereau [The Day of the Dead], 1859) (Detalhe)

Me admiro com o belo
E em tudo que há beleza
Temo por meu túmulo
Minha futura morada
Futura fortaleza
Que não seja feio, meu Deus
Que não seja feia

Poesia

Disfarce

Gustave Caillebotte [Paris Street; Rainy Day], 1877 (Detalhe)

Não estou chorando,
estou chovendo!
Chove nos desertos
de minhas pálpebras
pra dentro

Por fora das janelas da alma
observo a chuva.
Cheiro de face molha…
Cheia de nuvens pesadas.
Cinza tal qual dia nublado.

Poesia

Migração

Melchior d' Hondecoeter [A Pelican and other Birds near a Pool, Known as ‘The Floating Feather’], 1680 (Detalhe)

Migram as aves pro meu coração
Eis que findou meu inverno
Nesse inferno de frieza
Nesses lagos congelantes
Onde meu Narciso feio se contempla
E acha bela sua estranheza 

Poesia

Profunduras

Gustave Doré ["'Alas!' answered Sancho, 'I found him in his shirt, lean, pale, and almost starved, sighing for his Lady Dulcinea'" from Don Quixote], 1863 (Detalhe)

Plantada é a semente,
e a raiz se aprofunda.
Para ser a mais crescente
mais e mais ela se afunda

Perdoe minha dureza,
mas ser mole me arrasou.
Vim da profundeza
Ser profundo é o que sei,
é o que sou.