Texto

Três motivos fundamentais para aprender a gostar de Poesia

O Parnaso (1511) by Rafael Sanzio

Longe de mim, caro leitor atento, intencionar mero utilitarismo à poesia. De tal escola passo ao largo, vendo poesia — poíesis (ποίησις, no grego) — como: ato de criar ou fazer, como matriz, e por vezes nutriz, não como mero artifício, técnica, ou gênero literário com fins supostamente úteis. Oscar Wilde certa vez escreveu: “A Arte é completamente inútil”in O Retrato de Dorian Gray. Tendo a crer que o escritor disse, de modo tímido e com foco em outras questões, que a arte está para além das utilidades, pois a transcende num arroubo sublime, quase que viva, permitindo-se ser utilizada vez ou outra. Nunca ouvi alguém questionar o porquê da beleza da natureza ou de obras humanas, apenas expressam seus sentimentos em poucas interjeições indignas. Certa feita até já cunhei em médio discurso, como que impelido pelas musas: “a poesia não serve, pois é senhora”.

Poesia

O velho Emílio

Johann Carl Loth [Diogenes], século XVII (Detalhe)

In memoriam de Emílio Cordeiro de Lima

Jaz a lua minguante
Sobre a serena garoa
Que pega fúria
Horas depois da viração

Poesia

Um chapéu

Jean-Louis Forain [Behind the Scenes], 1880 (Detalhe)

Um bom homem deve levar
Na cabeça um bom chapéu
Tira-se o chapéu
Para respeitar alguém
Ou um ambiente respeitável
À moça que passa
Ao rapaz que observa
À nave da capela

Conto

A árvore de Natal na casa de Cristo — Fiódor Dostoiévski

Bartolomé Esteban Murillo [O Pequeno Mendigo], 1645-55 (Detalhe)

Havia num porão uma criança, um garotinho de seis anos de idade, ou menos ainda. Esse garotinho despertou certa manhã no porão úmido e frio. Tiritava, envolto nos seus pobres andrajos. Seu hálito formava, ao se exalar, uma espécie de vapor branco, e ele, sentado num canto em cima de um baú, por desfastio, ocupava-se em soprar esse vapor da boca, pelo prazer de vê-lo se esvolar. Mas bem que gostaria de comer alguma coisa. Diversas vezes, durante a manhã, tinha se aproximado do catre, onde num colchão de palha, chato como um pastelão, com um saco sob a cabeça à guisa de almofada, jazia a mãe enferma. Como se encontrava

Conto

O sonho de um homem ridículo — Fiódor Dostoiévski

Vasily Perov [Retrato de Dostoiévski], 1872 (Detalhe)

Narrativa fantástica, 1877.

I

Sou um homem ridículo. Agora já quase me têm por louco. O que significaria ter ganho em consideração, se não continuasse sendo um homem ridículo. Mas eu já não me aborreço por causa disso, agora já não guardo rancor a ninguém e gosto de toda a gente, ainda que se riam de mim… sim, senhor,  agora, não sei por quê, mas sinto por todos os meus próximos uma ternura especial. Teria muito gosto em acompanhá-los no vosso riso… não precisamente nesse riso à minha custa, mas sim pelo carinho que me inspiram, se não me fizesse tanta pena vê-los. É pena que não saibam a verdade. Oh, meu Deus! Quanto custa isso de ser um só a saber a verdade! Mas isto não compreendem eles. Não, nunca compreenderiam isto.

Poesia

Chega a noite

Vincent van Gogh [Starry Night Over the Rhône], 1888 (Detalhe)

Chega a noite
Vão-se as moscas
Voltam-se os mosquitos
As primeiras zumbirão suas filosofias
Larvais em outros ares
Os segundos querem sangue
E ferem mais fundo
Mais profundo na gente
Que bate, que bate
Que mata

Poesia

Caraibeira

Vincent van Gogh [The Large Plane Trees], 1889 (Detalhe)

Qual caraibeira florescida
com vagens verdinhas e longas
surgi, depois d’um inverno quente
e longo verão brasil.

Poesia

Bole bole, criança

Candido Portinari [Roda infantil], 1932 (Detalhe)

Esses terreiros tortos
com crianças buliçosas só têm aqui!
Pr’acolá pode ter… mas não é igual,
boa bagunça e gritaria só em nosso quintal.

Poesia

Das memórias que perdi

Hendrik G. Pot [The Coin Collector], 1655 (Detalhe)

Quem seria eu agora,
sem saber quem fora em outrora?
Se dantes fui moço,
tento debalde recordar das paixões…
[…] oxalá! Que eu tenha tido, meu Deus!