Respiga de liberdade é um poema sobre liberdade de expressão, na verdade, sobre a falta da liberdade de expressão. A sextilha abaixo traz, de modo análogo, personagens que buscam liberdade e não encontram, como respigadores que vão ao campo recolher as sobras da colheita e não acham nada. O que antes era seara passa a ser um deserto. Respiga de liberdade é um poema sobre o Brasil de nossos tempos. Em seguida, o poema na íntegra, após ele, uma breve análise por trechos.
Elogio à humildade
Dai privação ao opulento
e haverá miséria,
ranger de dentes.
Cessará o riso a contento,
e a canção etérea
outrora correntes
Quiasma cósmico
Circunda a rotunda Selene
Ao agito de frias ondas
A banhar a alva areia
Tão clara ao brilho perene
Arrefece amantes em rondas
Sob a bela lua cheia
Sublimação
A tinta que ora jorra o impresso
fora hemorrágica em outrora,
pulsa produtividade tal
da inatividade vital de agora.
Ah, vintém poupado ao bolso,
não vai ao divã, ao fosso,
sublimou da mágoa ao gozo
o dente amarelo restaurado.
Soneto em ré menor
Sobre os pardos caibros e branco gesso
Soa altivo um ré menor, amiúde
Que avizinha-se à minh’alma, ao espesso
Qual u’a melancolia em amplitude
Soneto à prole
Há bosquejo meu em tua tenra alma
Maquete nossa em tal ventre matriz
Que muito o embala, acalenta e dá calma
Partícipes em teus sonhos pueris
Pequeno gigante
O homenzinho que ora
simula um colosso
faz sua pose desajeitada
Três motivos fundamentais para aprender a gostar de Poesia
Longe de mim, caro leitor atento, intencionar mero utilitarismo à poesia. De tal escola passo ao largo, vendo poesia — poíesis (ποίησις, no grego) — como: ato de criar ou fazer, como matriz, e por vezes nutriz, não como mero artifício, técnica, ou gênero literário com fins supostamente úteis. Oscar Wilde certa vez escreveu: “A Arte é completamente inútil” — in O Retrato de Dorian Gray. Tendo a crer que o escritor disse, de modo tímido e com foco em outras questões, que a arte está para além das utilidades, pois a transcende num arroubo sublime, quase que viva, permitindo-se ser utilizada vez ou outra. Nunca ouvi alguém questionar o porquê da beleza da natureza ou de obras humanas, apenas expressam seus sentimentos em poucas interjeições indignas. Certa feita até já cunhei em médio discurso, como que impelido pelas musas: “a poesia não serve, pois é senhora”.
O velho Emílio
In memoriam de Emílio Cordeiro de Lima
Jaz a lua minguante
Sobre a serena garoa
Que pega fúria
Horas depois da viração