Poesia

O velho Emílio

Johann Carl Loth [Diogenes], século XVII (Detalhe)

In memoriam de Emílio Cordeiro de Lima

Jaz a lua minguante
Sobre a serena garoa
Que pega fúria
Horas depois da viração

Poesia

Um chapéu

Jean-Louis Forain [Behind the Scenes], 1880 (Detalhe)

Um bom homem deve levar
Na cabeça um bom chapéu
Tira-se o chapéu
Para respeitar alguém
Ou um ambiente respeitável
À moça que passa
Ao rapaz que observa
À nave da capela

Poesia

Caraibeira

Vincent van Gogh [The Large Plane Trees], 1889 (Detalhe)

Qual caraibeira florescida
com vagens verdinhas e longas
surgi, depois d’um inverno quente
e longo verão brasil.

Poesia

Bole bole, criança

Candido Portinari [Roda infantil], 1932 (Detalhe)

Esses terreiros tortos
com crianças buliçosas só têm aqui!
Pr’acolá pode ter… mas não é igual,
boa bagunça e gritaria só em nosso quintal.

Poesia

Das memórias que perdi

Hendrik G. Pot [The Coin Collector], 1655 (Detalhe)

Quem seria eu agora,
sem saber quem fora em outrora?
Se dantes fui moço,
tento debalde recordar das paixões…
[…] oxalá! Que eu tenha tido, meu Deus!

Poesia

Pouco sou

Jean-Honoré Fragonard [Young Girl Reading], 1770 (Detalhe)

Por mais que eu foleasse
todas as páginas,
me enterrariam sem
de nada eu saber.
Mas de um nada muito grande…

Poesia

Deserto

Jean-Léon Gérôme [On the Desert], 1867 (Detalhe)

Quem nunca deixou
pegadas na areia?
Quem não sentiu
o pé no chão queimar?
Nesse deserto
toda alma vadeia.
Quem nunca teve
grão vil no olhar?

Poesia

Pena do Tinteiro

Amand Gautier [Portrait du poète Armand Silvestre], 1884 (Detalhe)

— Onde está a tinta
para minha pena?
— Tomei-a, pensando
ser ela tóxica,
não era, todavia.

Poesia

Amarelo

Vincent van Gogh [Vase with Red and White Carnations on a Yellow Background], 1886 (Detalhe)

Começam a amarelar as fotos
dos tempos pueris.
(Bons tempos…)
Amarela o sorriso, 
amarelam alguns livros, 
amarelam as cartinhas,
(onde quer que elas estejam…)
amarelam as memórias 
que não são mais tão claras,
e os ossos, e a pele… 

Poesia

Ave preta

Imagem: Francisco Souza / Flickr (com edição)

Oh, aquela ave preta
sobre galhos rijos cinzentos.
Oh, meu sertão que se encontra verde,
tudo um pouco mais belo.
Mas a ave insiste co’a morte
ao pousar naqueles galhos podres.
Podres, mas rijos.