Poesia

Cicatriz

Hendrick ter Brugghen [The Incredulity of Thomas], 1622 (Detalhe)

A quem se dedica uma dor?
Essa dor de cicatriz
Essa dor de passado
Essa dor que não passa
Ferida fechada há tempos
Mas traz na pele a memória

Poesia

Da imaginação

Caio Santos [Dom Quixote de La Mancha, o cavalheiro de Cervantes], 2001 (Detalhe)

Fecham-se os olhos
E viro um herói
O melhor poeta
O melhor atleta
O melhor de mim
O melhor que não sou

Texto

Aquele que fere: um ensaio sobre a dor

Professor Morteza Katuzian [Menina triste], 1986 (Detalhe)

O que tenho eu nesta vida para cuidar além de algumas feridas? Perguntei-me durante uma de minhas curtas e constantes crises existenciais. Quem não tem uma dessas pelo menos uma vez por semana? Logo me veio à memória algumas leituras que fiz, que tratam sobre a dor, pois quando se fala em feridas abertas se fala em dor — e sofrimento —. Fiz um paralelo entre essas memórias.

Poesia

Jubileu de que

Vincent van Gogh [Wheatfield with Crows], 1890 (Detalhe)

Aquele que é profundo
Sofrerá profundamente
Fará tudo pelas profundezas
Pagará o preço por sentir em dobro

Poesia

Cosmos jardim

Otto Stark [Garden in Paris], 1885 (Detalhe)

Bem arado foi o céu

Enchido com sementes de estrelas
Como serão suas flores?
Rosadas de luz? Cheias de cores?
Quem as colherá? Quem escolherá?

Poesia

O cão sem plumas — João Cabral de Melo Neto

Imagem: Reprodução / Internet

I. Paisagem do Capibaribe

A cidade é passada pelo rio 
como uma rua 
é passada por um cachorro; 
uma fruta 
por uma espada.

O rio ora lembrava 
a língua mansa de um cão, 
ora o ventre triste de um cão, 
ora o outro rio 
de aquoso pano sujo 
dos olhos de um cão.

Poesia

Eu oposto

Jacob Jordaens [Two Studies of the Head of an Old Man], 1630 (Detalhe)

Por vezes durmo na clave de sol
E acordo na clave de fá
E tudo mexe…
Tudo sai do lugar

Nesses dias prefiro um banho frio
E uma janta quente
Tudo como não é de costume

Poesia

Humor solitário

Rembrandt [Titus, the Artist's Son], 1660 (Detalhe)

Algo me trouxe alegria
E resgatou o meu riso
Como qualquer bobo que ri
Ri

Como quem sente cheiro de café
Como quem ouve as primeiras palavras de criança
Como o por do sol que traz o Shabbat
Como um “eu te amo” antes de dormir

Poesia

Chega o tempo

Hans Baldung [The Three Ages of Man and Death], 1510 (Detalhe)

Relembrando um verso antigo
Cheguei à conclusão
De que nada é tão antigo
Que não toque um coração
De forma tão severa
Como a chuva toca o chão

Poesia

Vida em papel

Giuseppe Arcimboldo [The Librarian], 1566 (Detalhe)

Que mundo de papelão

Cheio de seres de machê
De vida difícil e de fácil fim

Ah, este mundo de poeira

Cheio de homens de barro
Pequenos porrões pisando em betão pintado
Pintado por mãos
Não por acaso