Poesia

Ave preta

Imagem: Francisco Souza / Flickr (com edição)

Oh, aquela ave preta
sobre galhos rijos cinzentos.
Oh, meu sertão que se encontra verde,
tudo um pouco mais belo.
Mas a ave insiste co’a morte
ao pousar naqueles galhos podres.
Podres, mas rijos.

Poesia

Da chuva que cai

Childe Hassam [Rainy Day, Boston], 1885 (Detalhe)

Quão apressadas caem
essas gotas nos torrões.
Como quem sente saudade,
logo voltam a correr, seguem o curso
como fora em outrora.

Poesia

Mentalidade vermelha

Eugène Delacroix [La Liberté guidant le peuple], 1830 (Detalhe)

Oh, Mentalidade vermelha
Que com foices abrem crânios
E com martelos esmagam a massa cinzenta
Esmagam a massa…
E cinza é o seu futuro
Ego non sum
Não me associo a eles

Poesia

Da vida

Jacob van Hulsdonck [Still Life with Lemons, Oranges and a Pomegranate], 1620–1640 (Detalhe)

Já vi alguns invernos
Já vi alguns infernos
Vi infernos em invernos 
E invernos em infernos

Poesia

Que coisa terrível

Santiago Rusiñol [Senyor Quer in the Garden], 1889 (Detalhe)

Oh, que coisa terrível
parecia fazer aquele homem.
Todos olhavam, se cutucavam e apontavam.
— De que se trata?
Perguntavam os desavisados,
que de longe forçavam as vistas
para ver o conteúdo que o indivíduo portava.

Poesia

Cada dia

Michelangelo Merisi da Caravaggio [David and Goliath], 1599 (Detalhe)

Voam as moscas num tom de fá,
Zum zum zum infernal
Em meio aos corpos fétidos.
Geme a marreta em atrito
Com a bigorna…

Poesia

Esta cidade

Natalia Mikhalchuck [Vilnius evening], 2013 (Detalhe)

Fico cá nesta cidade
Com seus muitos becos
Suas muitas ruelas
De jovens parados
E afazeres efêmeros
Julgo eu, todavia.

Poesia

De passagem

Nicolas Poussin [Landscape with a Calm], 1650–1651 (Detalhe)

Essas vilinhas bucólicas
Quiçá melancólicas
Com bodes amarrados em algarobeiras
Recordam-me algo que fui, talvez.
Falo de um sujeito mais manso . . .
Nem sei . . .

Poesia

[Des] Fiz-me

Fogo na caatinga
Fiz-me pardal e voei
Verde na serra
Desfiz-me das asas, pousei
Era belo o caminho
Fiz pra mim botas… e andei
Fresco e calmo era o lago
(… não sei nadar)
Tive medo, e nada virei
Odiava o medo
Fiz-me coragem e nadei
E na coragem… me afoguei